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Haicais de Paulo Franchetti (1954-)

http://web.archive.org/web/20050204102159/http://www.unicamp.br/~franchet/mhaikais.htm
http://web.archive.org/web/20090201234442/http://geocities.com/SoHo/Lofts/1418/paulof.htm
http://sibila.com.br/critica/leminski-e-o-haicai/4500
http://www.scielo.br/pdf/alea/v10n2/07.pdf

Dia a dia

Demorou este ano,
Mas de repente, em toda a parte --
Primavera!

A velha ponte --
No pó ajuntado entre as tábuas,
Brota o capim.

Na casa do avô
Havia tantos pernilongos
Em noites como esta!

Às dez da manhã
O cheiro de eucalipto
Atravessa a estrada

A chuva passou.
A noite um instante volta
A ser fim-de-tarde.

Um susto logo cedo:
Na caixa do correio,
Duas mariposas!

Ao pôr-do-sol
O brilho humilde
Das folhas de capim.

O chofer de táxi --
Meu pai também, nos dias quentes,
Assoviava assim.

Limpo o rosto na camisa --
O vento começa a trazer
As primeiras gotas de chuva.

Acordo molhado de suor --
O sonho do banho
No tanque do quintal!

O sol se põe
Sobre o riozinho sujo --
Ah, infância!

Mamonas estalam.
Os cachos da acácia
Parecem imóveis.

Ruído de chinelos
No quintal do lado --
Mas que calor...

Tardes de Cuiabá:
Garças e periquitos
Voando pra noroeste.

Ao virar a esquina,
Saindo de trás do prédio --
A lua cheia.

Até os pernilongos
Vao ficando silenciosos --
Como os anos passam...

Crescem mais pêlos
Nas minhas orelhas --
Mais um ano chega ao fim...

Também para eles
Está chegando o natal --
Ah, os leitoezinhos...

Os grilos cantam
Apenas do meu lado esquerdo --
Estou ficando velho.

Manhã de frio --
Com o agasalho, visto
Saudades de minha mãe.

A chuva parou --
Na voz do pássaro,
Que frio!

O bebê resmunga --
Zune nas venezianas
O vento do inverno.

Pardais
No meio da garoa --
Está chegando o inverno.

Com o vento frio percebo:
Semanas e semanas
Sem ouvir insetos.

Em Cuiabá
Suando e matando mosquitos,
Que cruel zazen!

Manhã de frio.
Se fosse menino escrevia
Meu nome no vidro.

Quando a chuva pára
Por uma fresta nas nuvens
Surge a lua cheia.

Mesmo o velho eucalipto
Parece feliz --
Névoa da manhã.

Tarde de inverno:
Sobe do fundo dos vales
A sombra das montanhas.

O lago da montanha -
Termina do lado leste
A tarde dos patos.

Sob a névoa fria,
O cemitério da vila
Cercado de ciprestes.

À beira da estrada
Com o pêlo tão sedoso
O cachorro morto.

No campo, no Ano-Novo
Quando me canso da paisagem
Do leste, viro a cadeira
Para oeste.

Mesmo com fome,
Não se apressa como as outras
A galinha manca.

A porteira bate --
Do meu lado esquerdo,
A lua de verão.

Dentro da mata --
Até a queda da folha
Parece viva.

Entre os mugidos do gado
E o cheiro de capim,
Nasce a lua cheia.

Não há comida
E as moscas se ocupam
Em fazer mais moscas.

Sempre do mesmo lado,
O dia todo e a noite inteira,
O vento da montanha.

Os pássaros cantam
Monotonamente --
Feriado do ano-novo.

Quintal do sítio --
A única forma geométrica
É a linha de um varal.

 

Viagem a terra natal

Aqui e ali,
Sobre os campos florescem
As quaresmeiras.

Ao longo da estrada:
"A próxima descida trará
Mais quaresmeiras em flor!"

Árvores da infância --
E depois a monotonia verde
Dos canaviais...

Porque não sabemos o nome
Tenho de exclamar apenas:
"Quantas flores amarelas!"

Olhando bem
O cafezal, na verdade,
São laranjeirinhas...

Perfume de pinho --
Nascem, no fumante convicto,
Firmes projetos de saúde.

Entre as antenas
E as casas todas iguais --
Quaresmeiras!

Cerrados antigos,
E logo após a maré montante
Dos canaviais.

Apenas vós,
Árvores de tronco branco,
Me garantis que retornei.

Nem laranjas, nem café:
Apenas canaviais
Sob um céu vazio.

Choveu há pouco --
O sol baixa das nuvens
Finas cortinas de névoa.

Chove de novo --
As vacas e os carros
Devagar, em fila indiana.

Patos selvagens.
Por que iriam dois para o norte
E dois para o sul?

A princípio: "O que é aquilo?" ,
Mas depois...
"Campos de arroz!"

Mesmo molhado
Resplandece ao pôr-do-sol
O campo de algodão.

Tão pequena
E desbotada de chuva
A casa da infância!...

No terreno baldio
Ainda cheias de orvalho,
Campânulas!

Uma enorme garça
Voa lentamente
Ao lado do carro.

Ao sol da manhã,
Imóvel como se dormisse,
A coruja no fio.

Em toda a longa viagem,
Só agora encontrei
Um cafezal!

A igreja branca
Sufocada entre eucaliptos --
Aldeia de minha mãe...

Casebres todos pintados
Na fazenda Cambuí --
Como é bom estar aqui!

Trezentos quilômetros
Para não vos contemplar --
Mangueiras da minha infância!

Pelo espelho do carro,
Os campos que outrora foram
A casa do avô.

Cidade natal:
Até as flores do espinheiro,
No mesmo lugar.

O calor sufoca.
De pouco em pouco,
Fogo e fumaça.

Parou de chover:
No ar lavado, as árvores
Parecem mais verdes.

Azul e verde e cinza --
Olhando bem, o céu
É de todas as cores!

De uma casa branca
No meio da encosta da montanha
Sobe um fio de fumaça.

A serra em chuva
Sob o sol poente --
Como não agradecer?

É quase noite --
As cigarras cantam
Nas folhas escuras.

 

Viajando para o Oeste

Final de tarde.
Brilha, no alto da colina,
O ipê florido.

Ao longo da estrada,
Nessas árvores comuns,
Lembranças da infância.

Ah, flores de S. João!
Também florescem agora,
Tão fora do tempo?

Na moita de arbustos,
O canto e o vulto miúdo
De uma corruíra.

Vento de inverno.
Entre as árvores sem folhas,
Uma árvore seca.

Entre a copa das árvores
As pontas negras das pedras
Da montanha.

Vacas marrons
Num pasto marrom --
Entardecer de inverno.

Já ninguém liga
Para os frutos agrestes
Da macaubeira.

Do fundo do vale
Coberto de névoa,
O latido de um cão.

A noite cai.
As montanhas ao longe,
Cobertas de bruma.

Fim de tarde.
As colinas distantes
Se fundem no céu.

As vacas imóveis
Cobrem toda a colina.
O dia chega ao fim.

 

Um dia no parque

Moita de bambu:
Há tanto tempo, tão longe,
E sem fazer haikai.

Bem junto à placa
De "é proibido nadar",
A algazarra dos gansos.

Barulho de enxada.
Tantas recordações inúteis
Nesta manhã de inverno.

Quase sem ruído,
A tartaruga mergulha
Na água lodosa.

Essa velha música -
Como ela soa bem
Sob esse sol de inverno.

Chuva de inverno:
Tão grandes, em toda a parte,
As folhas de palma!

Na manhã de inverno,
Olho as borboletas
Sem pensar em kigo.

Tres grandes formigas
Atravessam o pátio
Do jardim de inverno.

Pelo meio das árvores
A água da lagoa
Reflete mais árvores.

Borboletas amarelas
Sobre flores amarelas
Numa tarde fria.

Quando abro os olhos
Parecem muito mais verdes
As folhas das árvores.