Terebess
Asia Online (TAO)
Index
Home
[137]
Haicaístas
brasileiros
©
by autores
Abel Pereira
DESABAFO
Para
contar mágoas,
inclina-se a haste franzina
no espelho das águas.
O OCASO
No
rio profundo,
o sol parece outro sol
a emergir do fundo.
-------------------------------------------------
Abrahão Cost'andrade
Desvirginei
tuas pupilas,
penetrei teu mundo
-------------------------------------------------
Ademir Antonio Bacca
tamborins
batucando
na janela:
chuva de pedra.
árvores
dançando
desvairadas na janela:
temporal
-------------------------------------------------
Afrânio
Peixoto
Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis BA, 1876 - Rio de Janeiro RJ, 1947)
Miçangas: poesia e folclore. Sao Paulo: Ed. Nacional, 1931.
EMULAÇÃO
Quando
um galo canta
Os outros todos respondem:
Nenhum quer faltar.
COMPARAÇÃO
Um
aeroplano
Em busca de combustível...
Oh! é um mosquito.
PERFUME SILVESTRE
As
coisas humildes
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...
DISPARIDADE
Derrete-se
o gelo.
Porém se resfria a água:
Ela fria, eu ardo...
ARTE DE RESUMIR
O
ipê florido,
Perdendo todas as folhas,
Fez-se uma flor só.
ANCH'IO...
Na
poça de lama
Como no divino céu,
Também passa a lua.
CRÍTICA A CRIAÇÃO
O
boi come a grama
E nós o boi. Deus não teve
Imaginação.
HERANÇA
Ele
pó, modesto,
Ela neve, pura: deram
Um pouco de lama.
MALLARMÉ OU VALÉRY
Fiz
uma charada:
Não sabia que isto é hoje
A poesia pura.
SEU COLAR DE PÉROLAS
No
céu do seu colo
As estrelas fazem ronda,
Adorando o rosto...
-------------------------------------------------
Aída Godinho
No
céu cintilante
mil vaga-lumes brincando:
mil sonhos vagando
-------------------------------------------------
Alice Ruiz
primeira
folha de outono
no chão começa
o meio do ano.
aparecem
às vezes
teias de aranha
com borboletas presas
primavera
até a cadeira
olha pela janela
fazia
noites
eu não te via
vagalume de dia
por
uma só fresta
entra toda a vida
que o sol empresta
luzes
acesas
vozes amigas
chove melhor
Fim
de tarde
Depois do trovão
O silêncio é maior.
Entre uma estrela
E um vagalume
O sol se põe.
Varal
vazio
Um só fio
Lua ao meio.
Rede
ao vento
Se torce de saudade
Sem você dentro.
Você
deixou tudo a tua cara
Só pra deixar tudo
Com cara de saudade
Não
imite os antigos.
Continue buscando
O que eles buscavam.
quem
ri quando goza
é poesia
até quando é prosa
apaga a
luz
antes de amanhecer
um vagalume
vento
seco
entre os bambus
barulho d' água
tanta
poesia no gesto
nenhum poema
o diria
o
relógio marca
48 horas sem te ver
sei lá quantas para te
esquecer
circuluar
sonho impar
acordo par
desacerto
entre nós
só etceteras
manhã
de outono
o verde do mar
também amarela
mar
bravio
cada onda
novo silêncio
diante
do mar
três poetas
e nenhum verso
nuvem
de mosquitos
tocando violão
silenciosamente
sinal
fechado
o menino atravessa
escrevendo versos
contra
o prédio cinza
uma só flor
e todas as cores
procurando
a lua
encontro o sol
mas já de partida
pôr-do-sol
em torno dele
todos os cinzas
començo
de outono
cheia de si
a primeira lua
som
alto
vento na varanda
a samambaia samba
trânsito
parado
os mesmos olhares
e ninguém se olha
último
raio de sol
primeiro da lua
outono nascendo
cerimônia
de chá
três convidados
e um mosquito
sob
a folha verde escura
a folha verde clara
trêmula dissimula
basta um galhinho
e vira trapezista
o passarinho
névoa na estrada
à beira de um sonho
um trem para Praga
tarde cinza
toda azaléia
arde em rosa
pássaro morto
no meio da estrada
carros que voam
amigo grilo
sua vida foi curta
minha noite vai ser longa
-------------------------------------------------
Alonso
Alvarez (1956-)
http://www.paubrasil.com.br/olhos/
uma
folha salta
o velho lago
pisca o olho
chuva
fina
tarde esfria
todo o lago se arrepia
nuvem
grávida
ao entardecer
primeira chuva de verão
amor de
verão
pipa rompeu a linha
fugiu com o vento
luar na
relva
vento insone
tira o sono das flores
portas
batendo
fugindo da chuva
o vento
na
rua deserta
brincadeira de roda
vento se sujando de terra
relampejou
sobre as árvores
a tarde trincou
tarde
de chuva
ninguém na rua
guarda a chuva
raios!
alguém rasgou
o terno azul da tarde
sol
nas poças d'água
carro passa
espalha tarde na calçada
lua
mínima
a tarde minguante
abre um sorriso
nenhum
pio
depois do trovão
apenas uma fragrância
velhinhos
na praça
só a tarde
não envelhece
(com
Camila Jabur)
sol
atrás da cortina
dizendo baixinho:
já é dia
amanhece
sol atrás do prédio
vestindo-se de luz
sol
e margaridas
conversa clara
na janela da sala
terreno
baldio
o poente
e uma placa: vende-se
cada
galho pro seu lado
mas na cor das flores
nenhum discorda
folia
na sala
no vaso com flores
três borboletas
vaga
tristeza
vaga lume
vaga só
outono
outrora
era outro
flores
ao vento
na cortina da janela
cores da primavera
velho
caminho
sol estende seu tapete de luz
passos de passarinho
manhã de sol
sombra do pardal no poste
primeira visita do dia
de manhã:
mia, mia, mia
só depois de comer,
mia um bom dia
um pescador
remando
o mar rimando
alguém admirando
lua
nublada
no alto da montanha
a solitária árvore
ontem à noite
sonhei de corpo inteiro
acordei com teu cheiro
antes de
dormir
dois ou três haikais
prece sem pressa
madrugada
barulhenta
manhã entalada
na garganta do galo
Borboletas
amarelas
no ipê, revoada
de flores apaixonadas
-------------------------------------------------
Álvaro Cardoso Gomes
Haste
de bambu;
uma viola que chora,
sob a ventania.
Agonia
do dia:
estrias do roxo poente
no olho da ave morta.
-------------------------------------------------
Ana Suzuki
Noite
na praia...
Os pescadores recolhem
a estrela cadente.
-------------------------------------------------
Angela Togeiro Ferreira
O
vento na rosa
Rouba-lhe o belo e o perfume,
ao tirar-lhe as pétalas.
Lágrima
imatura!
Quando ouvi o seu triste adeus,
Traiu meu orgulho.
No
bico do pássaro,
se o sol leva a escuridão,
vaga-lume é
inseto.
Traças
nos armários,
destroem qualquer passado,
roendo o inútil.
Ninho
de colibri,
no cantinho da varanda,
no vaso de avenca.
Táboa
no brejo,
enfeite do lamaçal,
escondendo rãs.
-------------------------------------------------
Anibal
Beça (1946-2009)
http://portalamazonia.globo.com/anibal/haicais.htm
FOLHAS DA SELVA
Girassol
na tarde
se curva em reverência:
o sol se vai.
Abre
o camponês
sulcos de arado na terra.
Em seu rosto rugas.
Seis
hora da tarde:
sons de cigarras prolongam
os sinos do templo.
Cochicho
de folhas.
Varre o vento na calçada
secas lembranças.
Bem
que me agasalho.
Galhos sem folhas lá fora
parecem ter frio.
Noitinha
na várzea:
com a lua na garupa
búfalos regressam.
Ao
sol na vereda
o ventre inchado em rodilha
jibóia a jibóia
No
alto a lua fria;
no prato a sobra da janta:
beiju desprezado.
Canto
e contracanto:
o pica-pau reclamando
do som do machado.
Na
soleira do sítio
a negra graúna canta
ao silêncio
do sol.
Broca
no bambu
deixa furos vazados:
O vento faz música.
Céu
de primavera.
Nas açucenas floridas
dura mais o orvalho.
Jogando
a tarrafa
caboclo desfaz a lua.
Pesca estrelas de escamas.
Abro
o armário e vejo
nos sapatos meus caminhos.
Qual virá
comigo?
Vento
de verão
vem com bafo de mormaço -
garoa ameniza.
Coruja
na cumeeira
arrepia no seu canto -
a viúva reza.
Folha
no rio
vai para o mar sem volta -
chorão se renova.
A
cigarra canta
o anúncio de sua morte -
formigas na contra-dança.
Sobe
a piracema -
ano que vem outros peixes
nadarão de novo.
Apenas
um gesto
e o homem é capaz de vida -
reparto o caqui.
Cercada de verde
ilha na hera do muro:
uma orquídea branca.
Seis horas da tarde:
sons de cigarras
os sinos do templo
-------------------------------------------------
Antônio Rogério de Lima
primavera
se vai
descem do céu num instante
o sol e a pipa
verão
camponês:
a cantiga dos grilos
adormece o dia.
-------------------------------------------------
Áurea de Arruda Féres
Imitando
sedas,
o bambual farfalhando
nos ermos da mata.
O
azul da fumaça
tem o fascínio dos sonhos.
Perfume de incenso.
Num
vaso solitário
perfuma toda a sala
um único jasmim.
-------------------------------------------------
Bernard Waldman
Os
esbugalhados
olhos giram, buscam sol.
Girassóis no campo.
No
metal do carro
o batuque do granizo.
Bumbo do trovão.
-------------------------------------------------
Camila Jabur
vento
nas cortinas
fico atenta
ao que a manhã ensina
passarinho
na cerca
enfeita o infinito
da colheita
-------------------------------------------------
-------------------------------------------------
Carlos Seabra
fruta
caída
ao lado da estrada:
pausa na ida
úmida
gruta
desejo toma corpo
boca na fruta
-------------------------------------------------
Célia Lamounier de Araújo (1943-)
A
casa esqueleto
que subindo... busca o céu
comigo faz dueto.
O
verde se pinta
mostrando serenas tramas
recriando a tinta.
Imaginação...
na minha vida mil vezes
eu liberto/ação.
Sobe,
desce só.
Desce só quem já subiu...
desce, vira pó.
Em
golpe sutil
na madeira esculturando
GTO eterno.
-------------------------------------------------
Celso Pestana
Explodem os fogos
E a rolha de um champanhe -
Feliz Ano Novo!
Preto Velho joga os búzios:
"Tá bonito, misinfio!"
Marina da Glória -
Mastros e cordas imóveis
Sob o mormaço.
Auto da Paixão.
A barba do Jesus Cristo
Está cai, não cai.
Vento frio...
A velhinha resmungona
Apressa o passo.
Dois passarinhos -
Também vou ajeitando
Meu ninho de pedras.
-------------------------------------------------
Clarice Lispector
AMOR A TERRA
Laranja
na mesa.
Bendita a árvore
que te pariu.
-------------------------------------------------
Cláudio
Daniel (1962-)
pseudônimo de Claudio
Alexandre de Barros Teixeira
Espelho
dágua
o céu-ouro-quase-jaspe
o louva-a-deus
Chuva
de vidro
o, li, tró, pi, he, o
vento e vento.
dia
após dor
após dia, luz após
dor após lua
chuva de cristal
nos campos secos
lágrimas do cao?
o tempo? viagem
do pó ao pó os pés,
os paus
e pedras
insônia:
uivo de lobos
nas pupilas
dia de finados
o branco da nuvem
e o crisântemo
a
lagarta
olha no espelho
a mariposa
praia
de corais
mulheres de água,
peixes de luz
esse canto
é azul, azul, azul
quase branco
uma beleza
sem pés, maos, boca,
olhos, nada
o relâmpago
há dois lábios
e quatro pálpebras
-------------------------------------------------
Cláudio Feldman
DESDÉM
Alguém
deixou
O chapéu para o vento,
Que atira longe o presente.
VENTANIA
A
ventania rouca
Em cada folha
Cria uma boca
SECA
Corvos
Nos galhos curvos:
Únicas folhas.
DIA LENTO
Dia
lento:
Um velho cavalo
Subindo a encosta.
-------------------------------------------------
Clicie Pontes
Cenário
de outono
Nos braços do vento, você e eu
Perdidos na vida.
Relãmpago
na noite!
Revelando na colina
A capela branca...
Tear
suspenso
A mercê da brisa
O balanço da aranha.
-------------------------------------------------
Corinne Marian
SEGUNDO PESCADOR
A
linha do horizonte
segura
o anzol:
pescando
o mar
RITMO
Na campina
dançam
estrelas:
vaga-lumes
piscam
DELICADEZA
Ternos
ruídos:
borboletas
celebram
a
primavera
-------------------------------------------------
Cristina Saba
nos
dias de outono
as folhas largam no ar
um cheiro de sono
-------------------------------------------------
Cyro Armando Catta Preta
SONO
Incorpóreo
fujo,
sonhando me libertando
do meu caramujo.
FOTOGRAFIA
Entre
adeuses a ais,
a saudade de outra idade
que acena: jamais...
-------------------------------------------------
Dasso
a
ave rompe o ovo
o bico aberto, o corpo desnudo
o fim de um mundo
na
ranhura da pedra
esquecida pelo vento
uma flor de lótus
-------------------------------------------------
Débora Böttcher
Estrelas
brilhantes
magia do céu
carinhos noturnos...
Madrugada
nos pólos
Lobos no gelo
Brincadeira de amar...
-------------------------------------------------
Débora Novaes de Castro
tempo
interio
abelha trabalhadeira
mel de abelha
na
ribalta
uns restos de luar
dançarinos solitários
concha
perolada
descoberta pelos ventos
soprar das areias
varando
nuvens,
levando sonhos d'ouro
cavalo alado
-------------------------------------------------
Delores Pires (1947-)
GEADA
Nas
manhãs de frio
a paisagem, tiritando,
se veste de branco.
ESQUILO
Veloz,
irrequieto,
saltita na melodia
do cricri dos grilos.
ORQUESTRA
Natural
orquestra
toca no quente verão:
canto de cigarra.
CREPÚSCULO
Luz
de fim do dia.
E a tua imagem flutua...
Vaga nostalgia!
MUDANÇA
Cheia
de neblina
a cidade, em verdade,
foge da rotina.
ACENTUAÇÃO
Em
torno de si
o guarda-chuva coloca
o pingo nos ii.
SIMPLICIDADE
Singela
e formosa
Num torvelinho de espinho
Desabrocha a rosa.
SOLITUDE
Silente,
à tardinha,
desliza ao sabor da brisa
gaivota sozinha.
-------------------------------------------------
Douglas Eden Brotto
Olaria.
Nos cãntaros
ecoa o cair de chuva...
Um gato ressona...
Fim
de agosto.
Lua nova! Mará viva!
Pululam peixes...
dissolve-se
a névoa
no sovacão
da montanha...
dormitam cavalos
-------------------------------------------------
Edival Perrini
INFÂNCIA
Um
sótão
dois dedos de céu
cisterna de mistérios.
TERRA
Na
via-láctea,
um poço.
Existe algo mais plural?
VÉRTICE
Homem em
pé sobre a canoa
pesca a manhã de cada dia,
noventa graus
de poesia.
-------------------------------------------------
Eduardo Feijó Neto Machado
COMPANHEIRO
Você
vem comigo
mesmo onde eu não for
e me leva?
-------------------------------------------------
Edson Kenji Iura
Operários
somem
Ao longo da passarela
Envoltos na névoa.
Vento
de primavera:
Sobre uma antena, um pardal
Trina e defeca.
No
cimento quente,
A ilusão de um oásis:
Vaso de samambaias
Uma borboleta
Beija uma flor murcha
Sobre a lousa fria
Na tarde
chuvosa,
Sozinho, despreocupado,
Um pardal molhado
Noite de Ano
Novo:
Após a queima de fogos,
Estrelas silenciosas
Além de helicópteros
Há algo mais cortando os ares:
Faceira libélula
Vento de inverno:
O gato de olho vazado
Procura seu dono
Procurando pouso
Na rua
movimentada,
Borboleta aflita
Este álbum de fotos:
Também as
traças se nutrem
De velhas lembranças
Outono findo:
O mendigo
muito formal
Em seu paletó
A
rua deserta.
No ultimo dia do ano,
Vendedor de biju.
O
mendigo sonha
Entre sacos de lixo
E flores de ipe.
No
galho mais alto
Morre a pipa pouco a pouco
Ao cair da chuva
-------------------------------------------------
Eliakin Rufino
com
um traço
o desenhista faz
o vôo do pássaro.
lua
de maio
prazer crescente
no meu quarto
desejos
de sangue
nos meus dentes
caninos
-------------------------------------------------
Eliane Pantoja Vaidya
Me
comovem
tuas mãos limpas
e tua cabeça suja.
-------------------------------------------------
Elson Fróes
Sol
no templo
solto o tempo
só contemplo
A grama
diz
o que o vento diz
o indizível bis
-------------------------------------------------
Eno Teodoro Wanke
A
casa velha do prostíbulo
apresenta, de dia,
olheiras nas janelas
maldormidas
DEPOIS DA CHUVA
O
sol, apressado
espalha a dourada toalha
pelo chão molhado.
-------------------------------------------------
Eolo Yberê Libera
Você
se parece
com este galho de acácias
repleto de sóis.
Guardei
para você,
num verso de porcelana,
as flores da manhã.
A mão que me espera
traça o caminho da volta
abrindo janelas.
Virada do morro:
Ipê e seu grito amarelo
perpendicular.
É muito silêncio
enquanto as flores não crescem
e os
poetas dormem.
Não sei teus gestos
nem a cor do teu sorriso
mas pressinto os passos.
Neste bosque urbano
árvore feita em concreto
- meu corpo estremece.
As cores da noite
recamadas de silêncio
preparam o dia.
Borboleta azul
raspa este céu de mansinho
insegura
e frágil.
Havia o escuro
mas eu não sabia onde;
teu rosto
era sol.
-------------------------------------------------
Érico
Veríssimo (1905-1975)
Erico
Verissimo Lopes
Gota
de orvalho
na carola dum lírio:
Jóia do tempo.
-------------------------------------------------
Eugénia Tabosa
Sobre
o estendal
A cerejeira prepara
O amanhecer
O trigal
maduro
ondula ao vento...
O corvo espera.
Olhando
nos olhos
que o lago reflete
Narciso se esquece
-------------------------------------------------
Eunice Arruda
OBSERVANDO
Sim
há
as horas de trégua
Quando se afima
as facas
TELEGRAMA
Mamãe
morreu
Ficamos
Envergonhados
PAISAGEM
o
sol se
põe
Girassóis olham o chão
*
Noite
outonal!
Minha avó contando histórias
Na varanda. Agora
À
beira do lago
aliso o brilho da lua
com as mãos molhadas
Noite estrelada
O céu - brilhando - se abaixa
Silenciosamente
No campo queimado
ainda uma leve fumaça
Tronco resistindo
Extático
vôo
Borboletas de asas abertas
Alfinetes nas costas
Noite de
junho
O balão subindo colorido
Alegre despedida
Solidão
no inverno
o velho aquece as mãos
com as próprias mãos
Fiapos nos dentes
o rosto todo amarelo
É tempo de manga
Verão. Meio-dia
Na sombra de uma nuvem
o boi cochila
Sobre
a folha seca
as formigas atravessam
uma poça d'água
Árvore
cortada
No tronco tao machucado -
O verde brotando.
Malas
nas maos.
Nos olhos tantas lágrimas.
Casa inundada.
Foi
tao rica a safra!
Até os arrozais se curvam
Em reverencia.
Estrela
de inverno
Embora distante e fraca
Procura brilhar.
Lua na janela, Edições Caqui, 1999 - S.Paulo, Brasil
-------------------------------------------------
Fabiano Calixto
DIVINA LOUCURA
Um
tombo escorre
Do olho que não
escolho
E a noite morre.
-------------------------------------------------
Fanny
Luiza Dupré (1911-1996)
http://www.kakinet.com/caqui/fanny.htm
Lágrimas
da noite
orvalham a sepultura
na manhã dos mortos.
Uivos.
Noite escura.
Não suporta a onda de frio
o cão vira-lata.
Saudosa
de ti
caminho só pela rua.
É noite de estio.
Sobre
a laje fria
diz adeus à primavera
uma rosa murcha.
Ilhotas
boiando.
Sob um céu vasto e sereno
este mar tranqüilo.
Tremendo
de frio
no asfalto negro da rua
a criança chora.
Velho
casarão.
Iluminam o interior
raios de luar.
Noite
tenebrosa.
Pia a coruja agourenta
no velho telhado.
A
pedra da rua.
Humilham-te sem cessar.
Ah! os pés humanos...
Noite
fria, escura,
no asfalto negro da rua
late o cão vadio.
Laranjais
em flor.
Ah! que perfume tenuíssimo...
Esperei por ti...
Bolha
de sabão.
Borboleta distraída...
Colisão no ar!
Caem
as flores murchas...
No quintal abandonado
um só mamoeiro.
Rua
São Luiz.
Nas nostálgicas sarjetas,
do ipê, flores roxas.
Vendinha
de bairro.
Ressona feliz gatinho
no saco de estopa.
Boêmio
da noite
no portão enferrujado.
Morcego dormindo.
Mosaico
no muro.
O gato ensaiando o pulo.
Azuis borboletas.
Crepita
a fogueira...
Entre nuvens mais estrelas.
Fogos de artifício.
Estrela
cadente.
No seu rastro luminoso
um desejo meu.
-------------------------------------------------
Fausto Rodrigues Valle
As
flores do ipê
como fogos coloridos
explodem na mata.
A
chuva caindo
é cantiga de ninar
nas telhas de barro.
-------------------------------------------------
Francisco Handa
Nos
canaviais
facões refletem a luz
do sol explodindo.
Neste
imenso agreste
a formiga em romaria
anuncia boa chuva.
Estrela cadente.
Apenas desolação
nos olhos do idoso.
Ao cair relâmpago
um silêncio demorado
por alguns segundos.
Noite de verão.
As galinhas vão dormir
um pouco mais tarde.
Calendário novo.
Em primeiro vou contar
os dias vermelhos.
Final de verão.
Lágrimas de despedida
durante o velório.
-------------------------------------------------
Francisco Moura Campos
O
trenzinho frágil
num esforço secular
vai subindo
a serra.
Disparos de
flashes.
Vaga-lumes fotografam
minhas retinas.
-------------------------------------------------
Franklin Magalhães (1946-)
Explode o relâmpago.
No susto o gato derrama
o pires de leite.
Sombra e água fresca.
Samambaias fazem a festa
na beira do poço.
Trepidar de trens
sobre o pontilhão de ferro.
O dia vem chegando.
Areia escaldante.
Marias-farinha nem ousam
sair do buraco.
Carnaval chuvoso.
Cães molhados e arlequins
na porta do bar.
Chuva com relâmpagos.
Há cortinas de diamantes
no beiral da casa.
Olhinhos atentos
aprendem como vovô
descasca laranjas.
Chove nos bonsais.
Caracóis se perpetuam
sem nenhuma pressa.
-------------------------------------------------
Fred Maia
girassol
a luz da manhã
a menina dos olhos dança
enganados
os galos cantam
a lua saída do eclipse
-------------------------------------------------
Gabriela Marcondes
Minha
mão
vazia
Esperando a sua
Encontro que cria.
Harmonia
sem acorde
nota em contratempo
A dissonância morde
Sair
do protocolo
Contornar a mesmice
Bancar o vôo solo.
Alma
que sente frio
distância que aprisiona
A saudade está no
cio.
-------------------------------------------------
Gil Nunesmaia
ARREBOL
No
dorso azulado
dos montes distanes cresce
uma poeria de ouro
CREPÚSCULO
Vai
morrendo o dia.
Como uns abutres famintos
pairam, descem sombras
-------------------------------------------------
Cadáver
no asfalto.
Do alto do viaduto
aplaudem o salto.
-------------------------------------------------
Guilherme de Almeida (1890-1969)
-------------------------------------------------
Gustavo Alberto Corrêa Pinto
Sob
as cobertas
em plena escuridão
ouço um galo!
A
rede range
sob o peso do sono
e do almoço.
-------------------------------------------------
Gustavo Felicíssimo (1971-)
esforço tremendo –
uma gaivota insistente
vai vencendo o vento
outra vez florida
a minha enorme alegria –
pomar de cajueiros
algo mais perfeito?
as folhas mortas no campo
fecundam a terra
ardendo em desejos
se inflama a gatinha em chamas -
ásperos gracejos
a moça que passa
ofusca o brilho do sol –
esqueço a cerveja
um homem vaidoso
viu-se na lâmina d'água –
encontrou Narciso
eu sonho acordado
com o próximo poema –
mas ele não vem
------------------------------------------------
H.
Masuda Goga (1911-)
http://www.kakinet.com/caqui/goga.shtml
Ipê
milenar
numa fazenda em ruínas
auge da florada!
Paineira
em flor:
relembrando a cerejeira
um velho imigrante...
Em
cima do túmulo,
cai uma folha após outra.
Lágrimas também...
Primavera
alegre
Os namorados com walk-man
Percorrem o parque.
Flores
silvestres
pequeninas e sem brilho
à espera de abelhas...
O
ano fenecendo...
preocupação nenhuma:
só penso em haiku!
As
nuvens douradas
Flutuam no pantanal
- florada de ipê
Paineira
em flor:
Casa-grande abandonada,
sem telha nem porta
Ah,
mosca de inverno
- questão de dia ou de hora -
seu último instante?
Libélula
voando
pára um instante e lança
sua sombra no chão
Eco
dos trovões:
O aguaceiro, de repente,
faz subir o rio
À
noite... sozinho...
me deixam mais pensativo
os cantos de insetos
Uma
aldeia pobre,
ao pé da serra de inverno -
mina antiga de ouro
Toque
de buzina:
atravessa o rio seco
a boiada em ordem
-------------------------------------------------
Hazel de S. Francisco
Ondas
de flores
na festa de Iemanjá.
Primavera no mar.
Sol
a pino.
Só o sibilo da cigarra
quebra a calmaria.
-------------------------------------------------
Helena
Kolody (1912-2004)
http://www.kakinet.com/caqui/kolody.php
http://www.mundovestibular.com.br/articles/2438/1/VIAGEM-NO-ESPELHO---Helena-Kolody-Resumo/Paacutegina1.html
Arco-íris
no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.
RESSONÂNCIA
Bate breve o gongo.
Na amplidão do templo ecoa
o som lento e longo.
FLECHA DE SOL
A flecha de sol
pinta estrelas na vidraça.
Despede-se o dia.
NOITE
Luar nos cabelos.
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.
SAUDADES
Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades.
REPUXO ILUMINADO
Em líquidos caules,
irisadas flores d'água
cintilam ao sol.
DEPOIS
Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
universo afora.
ALQUIMIA
Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz.
JORNADA
Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada.
SEMPRE MADRUGADA
Para quem viaja ao encontro do sol,
é sempre madrugada.
RETRATO ANTIGO (1988)
Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?
VOZ DA NOITE (1986)
O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.
A voz da noite
diz, baixinho:
esquece... esquece...
A MIRAGEM NO CAMINHO (1978)
Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.
(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).
DOM
Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.
POESIA MÍNIMA
Pintou estrelas no muro
e teve o céu
ao alcance das mãos.
-------------------------------------------------
Humberto del Maestro
A
lua, cansada,
adormeceu por instantes
no leito do rio.
Começo
de chuva...
A tempestade faz festa,
no meio da rua.
Ao primeiro
susto,
os pombais, cheios de arrulhos,
ficaram vazios.
Longa
chuvarada...
Nos matos e nas lagoas,
um canto de vida.
Na velha
roseira,
entre as folhas e os espinhos,
uma aranha tece.
Não
é meia-noite
e as mariposas cansadas
já dormem nas praças.
Muita
brisa à noite.
Dos jasmineiros da rua,
perfumes e flores.
A tarde é bem quente.
Cansada, boneca ao lado,
menina dormindo.
Sentei-me na praia
e quando dou pela coisa
o mar me beijava.
Natal em festejo!
Os filhos não me visitam...
Papai sem presentes.
-------------------------------------------------
Ignez Hokumura
Alvo
esplendor.
Lado a lado no tanque
a camélia e a lua!
Daquele
Buda
ninguém mais se lembra.
Apenas o vento...
-------------------------------------------------
Inês Mafra
VERÃO
Milhares,
milhões
de sóis acesos
um barco branco
ancora no céu
INVERNO
Sonhando
com fogo
O corvo adormece
Sobre a chaminé.
-------------------------------------------------
Jack Rubens
Cartas
dos meus amigos
são
borboletas brancas
batendo em minha janela.
Junto
ao meu ouvido
o mar fala comigo
no sussurro da concha.
-------------------------------------------------
Jacy Pacheo
Tartaruga,
sábia,
recolhida em sua concha,
leva longe a vida.
A
última árvore
ruirá sem ninhos, chorando
o último
pássaro...
-------------------------------------------------
Jandira Mengarelli
cumplicidade
de ais:
a areia bebe
o choro do mar
-------------------------------------------------
Joanyr de Oliveira
A
palavra alcança
o coração do silêncio:
floresce o
poema.
-------------------------------------------------
Jorge
Fonseca Jr. (1912-1985)
http://www.kakinet.com/caqui/fonsecbi.htm
Com
um vácuo n'alma,
na serra, contemplo a lua
sobre precipícios...
Do Roteiro Lírico (1939)
Nesta
catedral,
quando arde o sol, toda tarde,
sangra este vitral...
Ah!
estas flores de ouro,
que caem do ipê, são brinquedos
pr'as criancinhas
pobres...
Para o sol que morre,
o algodoal estende, grato,
um lençol imenso...
Bem-te-vis
cantando
na festa de luz e cores!...
Falta-me luz na alma...
Que tarde ventosa!...
Ah! nem tufão leva esta árvore
que o cipó enlaçou!...
Bananal... calor...
Tropicalissimamente,
vou chegando a Santos...
Este abacateiro
acende, ante a luz do luar,
suas suaves lâmpadas...
Ah! o chimarrão quente!
O frio forte dos pampas
foge um pouco assim!...
Estes girassois
chamariam alto o sol,
se tivessem voz!
O sabiá cantando,
parece que esta saudade
foge-me um pouquinho...
Noite... praia...
Nua,
tesa, a palmeira se entrega
ao clarão do luar...
Velame colhido,
lá dorme, na noite enorme,
num porto esquecido...
De Brasa Dormida (inédito)
Noite
úmida e fria...
No chão da praça deserta,
cai do ramo a flor...
Escurece rápido.
Insistente, a corruíra
cisca no quintal...
Frias, escorridas,
as ramagens do chorão,
no poço da noite...
A chuva parou.
Um leve vapor, do chão,
sobe e, ao sol, se irisa...
Ouro, prata e azul...
E o vento fresco soprando
na tarde que cai...
A folha caída,
pousada, seca, num galho,
como um passarinho...
Ufa! que parece
que a gente vai caminhando
com o sol às costas!...
Ao sol da manhã,
as andorinhas, no fio,
fazem a "toilette"...
Meiguice do sol
no ninho do tico-tico
piando no crepúsculo...
Fundo de quintal...
Silêncio. No velho muro,
uns cacos de sol...
Múrmura e ligeira,
por sobre as flores da serra,
vai a água entre as pedras...
-------------------------------------------------
Jorge Lescano
Fugindo
do sapo
o vaga-lume se esconde
no meu sapato.
As
sombras, no bosque
enquanto as sombrinhas
passeiam ao sol.
-------------------------------------------------
Jorge Piero
estrela
no céu
brilha nos olhos do gato
miados ao léu.
-------------------------------------------------
José Carlos Capinan
Não
sei tirar tua blusa
Mas quando meu sonho te despe
Tiro hábil tua
pele
-------------------------------------------------
José
Geraldo Neres
projeto literário: "poemínimos"
www.palavreiros.hpg.ig.com.br
jgneres@uol.com.br
o
tempo brinca
carruagem suspensa
muralha
dágua
---
montanhas
lado a lado
o rio escorre
---
jogo
o avião
-pássaros de papel-
fico no chão
---
saudade
prédios caídos
vou à escola
---
meus
olhos
não vêem
o seu sustento
---
amigo
vou soltar a corda
continuas comigo?
---
lata
na cabeça
crianças no ventre
vai aonde?
---
gerações
labuta lavoura
perdida infância
---
não tenho medo
o
espelho passado-vermelho
mas hoje
eu
não sangro
---
bate
o sol
na vidraça
de
olhos verdes
---
entorpecido
som noturno
lamento
caça
um cúmplice
prazer
---
orquídea
traz a rama
na trama do tempo
---
gestos
gestantes, dor
grita
uma criança
---
sopro
a cabeça
flauta doce
chapéu
de música
---
outono
azul-orvalho
gotas
de dias
---
mariposa
pousa no
beijo de sol
---
árvores
fruto-maduro
o
dia abre flor
---
o
vento
acaricia o dia
na
relva sonolenta
---
lentamente
o dia caminha
a
trilha do tempo
---
cambiar
beijos
no desejo-tormenta
taça
caliente
---
fruto
pecado
maça morde pêra
macio
corpo
-------------------------------------------------
José Marins
manhã no parque
refletido na lagoa
um ipê florido
pausa no quintal
diante da pitangueira –
flores ao luar
estrada florida
os passos vão devagar
junto com a brisa
sol de fevereiro
o prateado da tilápia
na ponta da linha
apago a lanterna
na barraca surge a luz
de um vaga-lume
final da manhã
um tempo para a esposa
e suas margaridas
começo da tarde –
na banana sobre o muro
um sanhaço azul
um templo vazio —
no silencioso refúgio
o canto do grilo
tardinha de maio
o sol se foi dos vitrais
e a noiva não veio
domingo no parque
barulho de folhas secas
entre os caminhantes
cafezal geado —
busca um sino ao longe
mudo lavrador
gato na varanda
vê o cachorro se molhar
garoa de manhã
-------------------------------------------------
José Waldir F. Rocha
o
sol da manhã
derramou gotas de ouro
sobre os louros trigais...
-------------------------------------------------
Juscelino
Vieira Mendes
http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/poesia/haicais.htm
http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/poesia/haicais2.htm
-------------------------------------------------
Lêdo Ivo
NOITE DE DOMINGO
Acabou-se
a festa.
Resta, no silêncio,
o rumor da floresta.
O LAGO HABITADO
Na
água trêmula
freme a pálida
anêmona.
-------------------------------------------------
Leila Míccolis
A
abelha tristonha,
fauna e flora devastadas,
produz mel amargo.
Árvore sem folha
em invernos rigorosos
parece que hiberna.
Ventos
exibidos,
que cantam fortes, uivantes,
também desafinam...
No
branco polar
urso pra não ser caçado
esconde o focinho.
Nem tudo são flores
nos meses de primavera.
Voam marimbondos...
Meninada ao sol.
Sorvetes se derretendo.
Mar - pingos mais doce.
Coruja, famosa
por excelente visão,
parece usar óculos.
Infância no campo
brincava nas plantações.
Bonecas de milho.
Gripe forte? Não!
Apenas adormeci
entre espirradeiras.
O peixe no aquário
na varanda em frente ao mar
desdenha: está verde...
-------------------------------------------------
Leonilda Hilgenberg Justus
Ao
homem andando
com a esperança no peito
o horizonte é perto
A pedra chorava
a imobilidade eterna
- ansiava ser pássaro.
Momento bendito
o que me entregou aos livros
afastando as
pedras.
-------------------------------------------------
Leontino Filho
Pedras
sobre a vidraça
aquecem
a luminosa prece.
-------------------------------------------------
Leopoldo Scherner
Melhor,
minha dor.
Que não beijo, que não cheiro...
Inúteis
as flores
Amor
é silêncio.
Outro silêncio maior.
Depois de um silêncio
O
relógio disse as horas
exatamente como
elas são.
-------------------------------------------------
Letícia
Bergallo
HaiQuases
-------------------------------------------------
Luís Antônio Pimentel
Homens
sol a sol,
suor e subnutrição...
nasce o arranha-céu...
Morre
lento o sol...
Nas grandes sombras deitadas,
um pranto de folhas...
Pesado
de cana
rangem os carros de boi
moendo as estradas...
-------------------------------------------------
Luiz Bacellar (1928-)
O
lírio levanta
no meio da noite
seu copo de leite
Vestido
de flores
dança ao som do vento
como um deus hindu
Sorvendo
o jambu
ela cria um halo
de sensualidade
O
besouro roda
na bola do esterco
o tempo futuro
Zumbido
de mosca...
3 caquis derretem
de calor no prato
Se o laço do obi
voasse ao ikebana.
Borboleta azul?
Formigas na porta
carregam o corpo
da cigarra morta.
O mar está bravo.
Bate, e enfurecido,
canta nos rochedos.
-------------------------------------------------
Lyad de Almeida
Diz
a bomba
à super bomba de nêutron.
- "Enfim! Enfim,
sós..."
Reparto
meu pão,
E ainda me recriminam:
- "Guardou a manteiga!"
À beira da estrada,
a cruz de madeira, rústica,
reverdece em ramos.
Morreu
a velha árvore...
Ressurreição! Dos seus troncos
foram feitos berços...
Em
terreno limpo
plantei sementes de amor.
Surgiram as pragas...
"É
noite!" "É dia!"
E, assim, pelas acmpinas,
brincam
pirilampos.
Do
livro: "Haikais", Ed. autor, 1992, RJ
A lagoa pútrida
espera a luz das estrelas
para mostrar brilho...
Diante
da máquina
hesita a operária. Tece
o pano ou o sonho?
Finados.
Sacrifício das flores
para embelezar a morte.
-------------------------------------------------
Mailde Tripoli
Flores
no jardim,
jabuticabas no quintal!
Eis a primavera.
-------------------------------------------------
Maria Dinorah do Prado
Coração
vazio!
Amarrando o quase e o quando
numa pipa sem fio!
-------------------------------------------------
Mariana F. Hoffmann
Retalhos
da noite
nebuloso lençol
estrelado de nós.
-------------------------------------------------
Mariazinha Trindade (?-?)
Nesta sala me sinto
como um pássaro cativo
e anseio pela liberdade de uma árvore.
-------------------------------------------------
Marien Calixte
Cão
morto
sobre asfalto branco.
A cidade dorme.
Seixos
se partem
madeiras se cortam
idéias se movem.
-------------------------------------------------
Martinho Bruning
Cidras
e limões
celebrando a luz do outono,
que neles perdura.
Pintava
um mar calmo,
e fora o mar agitado
batendo na porta
Debaixo
da folha
o inseto, a ouvir o ruído
dos pingos de chuva...
-------------------------------------------------
Mary Leiko Fukai Terada
Num
só cobertor
Órfãos num canto da rua
- Menino e gatinho.
Por entre a neblina
Subindo a Serra Vernal
Bisbilhota a Lua.
Vestido de alças
Já desnuda a alva pele
Nestes dias tépidos.
Girando em cores
Sobe a bolha de sabão
- Gritos também sobem.
Sapo no quintal
Uma vassourada trêmula
Nos dois a pular.
Gatos no quintal
Disputam gata no cio
- Rato vai... e vem.
O velho salgueiro
Inclinado sobre o lago
Resmunga baixinho.
Margeando
riacho
Tenras folhinhas brotam
No campo queimado.
Nesta fria
noite
Dorme no fundo do poço
A Lua encurvada.
Um depois do outro
Chegam os cartões de Natal
- Saudade dos amigos.
-------------------------------------------------
Millôr Fernandes (1924-)
há
colcha mais dura
que a lousa
da sepultura?
Com
que habilidade
Você estraga
Qualquer felicidade!
O
desenvolvimento cerebral
Nunca se compara
Ao abdominal.
Não
é segredo.
Somos feitos de pó, vaidade,
E muito medo.
No
falecimento
Lenço grande demais
Pro sentimento.
Eremita,
me afundo
No deserto, pra ser
O centro do mundo.
Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.
Aniversário
é uma festa
Pra te lembrar
Do que resta.
Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.
Estrela
cadente
Ponto de exclamação
Quente.
Não sei
se mudo
A sexta-feira é um dia
Longe de tudo.
Fiquei bom da vista!
Depressa,
Um oculista!
Na
poça da rua
O vira-lata
Lambe a Lua.
A
palmeira e sua palma
Ondulam o ideal
Da calma.
O
veludo
Tem um perfume
Mudo.
Meu
dinheiro
Vem todo
Do meu tinteiro
Nos
dias quotidianos
É que se passam
Os anos
coisa
rara:
teu espelho
tem minha cara
É
meu conforto
Da vida só me tiram
morto
A
vida é um saque
Que se faz no espaço
entre o tic e o tac
Lá
no pico
a gaivota acorda o sol
com o bico.
POEMEU EFEMÉRICO
Viva
o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril
POEMEU NO MEIO DO CAMINHO
E
ninguém fala dos escombros
Da antiga alma feminina
Pesando em nossos
ombros!
-------------------------------------------------
Mônica Banderas
CLONE
Clone
por clone
melhor o meu:
sou clone de Deus...
-------------------------------------------------
Nélson Norberto Gonçalves Rudrigues
Vejo
com tristeza
em grandes latas de lixo
a ceia dos pobres
Um
raio de sol
atravessou a vidraça
e não a rachou
-------------------------------------------------
Nelson Savioli
Lá fora, lua fria.
Leve balanço do trem
lembra minha mãe.
O grilo aparece
no meu livro de latim.
Dois analfabetos.
-------------------------------------------------
Nempuku Sato
Pio
de pássaro noturno
Ou bramido de veado?
Bêbado de pinga!
São
todos meninos
Os oleiros da olaria
Vento de primavera
Se
houver fé
Poucas palavras bastam.
Lume outonal.
Pairando
no ar
Meus castelos de sonho
Ao som de gorgeios
-------------------------------------------------
Newton de Lucca
HAIKAI SEM IMAGINAÇÃO
ao
esplendor do cinema
e à
farsa da televisão
preferi a solidão do poema
-------------------------------------------------
Oldegar
Franco Vieira (1915-2006)
Gravuras no vento (1994)
UM FILÓSOFO
Um
velho coquerio
interrogativamente
mira -se no brejo.
O VENTO NAS PORTAS
O
vento batendo
as portas; lembranças mortas
vão revivendo.
REVOADAS
Revoadas
brancas
sobre os rochedos escuros:
gaivotas e espumas.
ALVORADA
Pouco
a pouco vai
o canto claro dos galos
clareando o dia.
Folhas de chá (1940)
Todas as manhãs
meu jasmineiro fragrante
cobre o chão de flores…
A boca da noite
Avançou na lua cheia;
um quarto minguante.
Brutos lenhadores!
Mas uma árvore pouparam.
Havia, nela, um ninho.
A fogueira branca
dos vagalumes parece
um baile de estrelas.
As sombras se adensam
Mas a noite é uma urupemba
peneirando estrelas…
Em revoadas brancas
sobre os rochedos escuros,
gaivotas e espumas…
A cidade dorme.
Só os cães enfiam longos
uivos no silêncio.
São os seus cabelos
soltos no vento, ou um erradio
trapo da noite?
A noite se empoa
com o pom-pom da lua cheia
no espelho do dique.
- Quem foi que apagou
a iluminação da rua?
– Um amigo da lua.
-------------------------------------------------
Olga Savary
Venenos
eu os bebo todos. Ouro?
Só tua ausência.
Que
arda em nós
tudo quanto arde
e que nos tarde a tarde.
-------------------------------------------------
Olinda Marques de Azevedo
Crepitar
do fogo.
Na lareira ardente
soam castanholas.
Poluição!
Calor!
Na praça um chafariz.
Crianças brincam.
O
velho casaco
esquecido no cabide.
Frio da ausência.
-------------------------------------------------
-------------------------------------------------
-------------------------------------------------
Paulo Munhoz
Bambu
furado
Vento quente e úmido
Soprando flauta
-------------------------------------------------
Paulo Roberto Cecchetti
ARCO-ÍRIS
Chuva
de verão,
traz arco-íris no céu:
gotas de cristal!
GIRASSÓIS
Sol
de rimavera,
brilho da manhã na relva:
Girassóis, tão
sóis...
-------------------------------------------------
Paulo Tomás Neves
Noite,
vem e traz
a vontade de tocar
todas as estrelas.
Nunca
saio só
levo comigo a lua
mesmo de dia
-------------------------------------------------
Pedro
Geraldo Escosteguy
Haicais
inéditos
Seleçao de Martha Goya
X
De renda em renda
a rendeira
virou lenda.
XVIII
Noturno campo
ilumina a retina:
um pirilampo.
-------------------------------------------------
Pedro Maciel
a
noite
nasce nua
nenhuma lua
-------------------------------------------------
Pedro Xisto
uma
ave a descer
além leve e lenta além
(suave
esquecer)
de
luto o poente:
muda elegia? elegia-se
a Lua crescente...
-------------------------------------------------
Primo Vieira
CREPÚSCULO
A
luz sem alarde
definha. A última andorinha
risca o céu da
tarde...
PAZ
Que inveja me dás,
ermida no monte erguida
comungando paz!
-------------------------------------------------
Regina Carvalho
O
céu rebordado.
Súbito cai uma estrela:
tua sorte traça.
No
pinheiro torto
lágrimas por tua ida.
Quando a tua volta?
No
final da tarde
compridas sombras no muro.
E o som dos teus passos...
-------------------------------------------------
Ricardo Akira Kokado
até
sem veste
nunca se deixa nua
a cigarra só se despe
fim
da linha
a pipa não toca o céu
o início se adivinha
Sono
sem magia.
Em plena madrugada
a cama vazia.
-------------------------------------------------
Ricardo Silvestrin (1963-)
ipê
amarelo
até a calçada
floresce
vento
de primavera
o homem de terno
com uma flor no cabelo
-------------------------------------------------
Roberto Saito
Fina
folha se desprende
e levemente toca
os pedregulhos.
De
seda e sinuosa
uma linda serpente
entre as convidadas.
-------------------------------------------------
Roberto Uber
O
teu desejo
bate asas de flamingo
domingo
-------------------------------------------------
Rodrigo de Souza Leão
enamoradas...
as nuvens cinzentas
apagam o sol...
-------------------------------------------------
Rodrigo
de A. Siqueira
http://www.insite.com.br/rodrigo/poet/o_zen_e_a_arte_do_haikai.html
http://www.lsi.usp.br/usp/rod/poet/haiku.html
Sopra o vento
os pássaros correm
atrás das sementes.
Rio
seco
Silêncio sob a ponte
apenas o vento.
O sol poente
Despede-se lentamente
Estrelas aparecem no silêncio.
Solidão no ninho
O pássaro se assusta
no eco do trovão.
Toque colorido
na ponta do capim
pousa a borboleta!
Barco de papel
naufraga na torrente
chuva de verão.
Lua enevoada
o cão e sua solidão
caminham na estrada.
Devagar devagar,
a folha sem escolha,
vaga pelo ar.
Folhas soltas
só uma contra o vento?
Borboleta amarela.
-------------------------------------------------
Rogério Viana
Véu
da noiva
esconde incontida
melancolia
Fruta
podre
não adoça
boca de pobre
Calo-me
como galo na
madrugada
Natureza
morta
um pato num
prato, intacto
-------------------------------------------------
Ronaldo Bomfim
Aroma
de pão
assando na madrugada:
lembrança da infância
A
cigarra canta
sem cessar, até secar:
derradeiro êxtase.
Na
brisa da noite
o perfume de jasmim
traz de volta a infância.
Sopra
o vento Norte
as árvores sentem frio:
as folhas se encolhem.
A
polpa dourada
esconde rara fragrância:
fruto-da-paixão
-------------------------------------------------
Ronaldo Cagiano
Terra
em mutação
natureza em agonia
grito ambiental.
-------------------------------------------------
Rosa Clement (1954-)
luz
para a libélula--
chega e pousa devagar
na blusa amarela
vaso
da janela
cai e deixa um caco em meu pé--
foi o beija-flor...
inicio
das férias--
o silencio logo acampa
nas salas de aulas
jogo
de hoje-
a zebra fica a trotar
detrás da cerca branca
folhas
mortas...
ainda voam buscando
onde descansar
olhos
no lago
entre vitórias-régias-
jacarés atentos
sacadas
floridas
caminho e espero petalas
em minha cabeça
sapo
na garagem--
qual direção tomar quando
o carro nao está?
o
sol toca o dorso
do boto cor-de-rosa-
Rio Negro clareia
-------------------------------------------------
Saint-Clair Cavenaghi
no
frio da água, de manhã,
pálido tremor,
outono no
corpo.
gotejar
sem chuva
no jardim oculto
brumas de abril.
-------------------------------------------------
Sara
Fazib
http://www.sara.fazib.nom.br/sfazib.htm
a
chuva estendendo
tapete verde pro sol
musgo na calçada
no belo
gramado
um boom imobiliário
formiga saúva
-------------------------------------------------
Saulo Mendonça
À tarde, no porto
Eles se amavam
E ficavam a ver navios.
Tarde
em Tambaú
Restos de nuvens
São bailados de andorinhas.
Não
me comoveu
A morte daquela noite.
O galo cantou
Relógio
de meu pai.
Na parede, inerte,
Fala-me de todas as horas.
Praia do Jacaré:
O sol cansado, deitou-se
E adormeceu nos braços-de-mar.
Vestido
molhado
Colado nas coxas:
Rio perene
Quem
tem boca
Vá à fome
Do grito que o consome.
Um
músico sentado na praça
Soprava a noite:
O sono tocou-lhe
sem dó.
Saudade
dentro amolada
Corta qual bisturi:
Hemorragia interna.
A
solidão dessa dor
Ainda fala o peito:
Silêncio de bronze.
-------------------------------------------------
Sérgio de Mesquita
Lua
de verão
Um pires de porcelana
na escuridão
Em
doce deleite
colhem abelhas o pólem
do copo de leite.
Um
pássaro arisco
entoa seu canto a toa
do ramo de hibisco.
O
vento, o galho
balança e longe lança
a gota de
orvalho.
-------------------------------------------------
Sérgio Francisco Pichorim
O trem vai sumindo
entre túneis e montanhas.
Ouço os tucanos.
El rio Paraná.
Las águas de mi jardín
pasan aqui.
Um leque nas mãos
da bailarina de Odori.
Borboleta em voo.
Minutos de êxtase.
O nascer da lua cheia
sobre a cordilheira.
Até o sabiá
renovou o seu cantar.
Sigo meu caminho.
A igreja distante
e os seis toques de sino.
Sorvo o meu mate.
Tarde de outono.
A velha casa de madeira
já foi semente.
As vagens abertas.
O ipê lança suas sementes
ao vento que passa.
Domingo gelado.
Nos balanços do parquinho
apenas o vento.
Primeira geada.
Quase tinha me esquecido
desta alegria.
-------------------------------------------------
Shinobu Saiki
Garoa
brusca
une forte o casal
sob a sombrinha.
Quantos
bons sonhos
comigo partilhaste,
velho cobertor!
-------------------------------------------------
Sílvia Rocha
flores
de maio
no meu quintal lavado
gotas de orvalho
sonhos
de verão
perturbações se vão
brisa de eucaliptos
-------------------------------------------------
Simão Pessoa
SAUDOSISMO
Cinema novo? Grande idéia:
uma câmera na mão
e mil moscas na platéia
Do
livro: "Matou Bashô e foi ao cinema" Ed. autor, 1992, AM
-------------------------------------------------
Soares Feitosa
Rastros
de vento,
escuridão de brasas,
um salto suave.
-------------------------------------------------
Sonia Mori
Na
fria madrugada
ao redor do braseiro
cascas de pinhão.
Não
sei esquiar.
Deslumbrada com a neve
deslizo de nádegas.
-------------------------------------------------
Teruko Oda
Luz
crepuscular
O último arco-íris
Na ponta do pinheiro!
Verde
mandruvá
Se arrasta no caule esguio
De um lírio branco.
Nas
bodas de prata
retornando à terra natal -
flor de laranjeira!
Insetos que cantam...
Parece que as sombras se amam
nos cantos escuros.
Como versos livres
- ao toque dos tico-ticos -
as flores que caem...
Cartões de Natal
coloridos, tão iguais!
Mas este, ah...
o amor...
A serra vernal
sob o céu de minha pátria.
Lembro Monalisa...
Gaiola no muro.
Filhote de gato ensaia
primeira caçada.
Na tarde sem sol
folhas secas projetando
sombras em minh'alma.
Na velha pedreira
o vibrar de britadeiras -
zunir de cigarras.
Boneca se aquece
com o meu chapéu de lã.
Eu visto saudades.
Apito de fábrica
A poluição é o tempero
da marmita fria.
Garoa
no asfalto
Congestionando a solidao
Do homem urbano.
-------------------------------------------------
Teruo Tonooka
Pétalas
de rosas
Entre as folhas do diário
Seca recordação
-------------------------------------------------
Thiago de Mello
O
silêncio é um campo
plantado de verdades
que aos poucos se
fazem palavras.
-------------------------------------------------
Tomoko Narita Sabiá
Em
volta à fogueira,
a dança. Avançando a noite,
ferve
a brincadeira.
A
aurora vernal
caleidoscopicamente
se muda em coral.
-------------------------------------------------
Urhacy Faustino
concorrência
O
pontilhismo pode ser obra cara,
mas não tão rara
quanto
as joaninhas.
Os
meus sentimentos
- como origami em arame -
sempre em movimentos
floral
Traiu
minha confiança
quando, ao primeiro vento,
despetalou-se.
colibri
Toca
em mim,
dou flores
precoces.
O
casulo feito
bicho dentro dele dorme
vestido de seda.
No extremo
vazio
do mais oco, sopro sons:
flauta de bambu.
Cavalos de escamas,
em meio às algas marinhas,
escondem segredos.
Lanternas quebradas
pirilampos precavidos
não vagam na noite.
Muitos ventos sopram.
Dentro e fora de mim uivam
lobos que não sou.
Se planto parreiras,
nestas videiras vermelhas
eu colho ametistas.
Cresci com gorjeios
sobre a jabuticabeira
entre os sabiás.
Os trigais maduros
marcaram
de cor dourada
minha pobre infância.
Balidos na noite
durmo quente
envolto a lãs
de ovelhas peladas.
Venha colibri:
dentro
do meu coração
já é primavera.
-------------------------------------------------
Valnei Andrade
o
sol na rua se movimenta
o menino sentado olha
o velho em câmara
lenta
HAIKAI PARA AS GUEIXAS
roliças
as coxas
como hortaliças
aos pêlos
eriçam
porto de espinhas
antenas
zarpam andorinhas
-------------------------------------------------
Waldomiro Siqueira Jr.
URRO
Fato
assaz inglório:
rajada de gargalhada
durante um velório.
ONDAS
O
branco singrando
as águas do lago. Mágoas
sangram até
quando?
-------------------------------------------------
Yara Shimada
Ruflar
de asas?
Pipa presa lá no alto...
Pobre criança...
Chuva
noturna.
Nuvens no chão matinal.
Bicicleteiam no céu.
-------------------------------------------------
Yeda Prates Bernis
Lavadeiras
de beira-rio.
Nas águas, boiando,
cores e cantos.
Na
poça d'água
o gato lambe
a gota de lua.
Pássaros
em silêncio.
Noturna chave
tranca o dia.
Noite
no jasmineiro.
Sobre o muro,
estrelas perfumadas.
Inúltil.
A gaiola
nunca aprisiona
as penas do canto.
No
porta-retrato
um tempo respira,
morto.
Grão de arroz, Editora Itatiaia, 1986 - Belo Horizonte, Brasil
--------------------------------------------------------------------------------
Zemaria Pinto (1957-)
(as
mãos da amada)
conduzem
a fala
na luz rubra da manhã
- papoulas ao vento
notícias
do sol -
os pássaros da manhã
cantam na varanda
o pouso
silente
da borboleta de seda
celebra a manhã
caminho de
terra,
o mato à margem exala
perfumes silvestres
sobre
a mesa posta
o olhar do peixe descansa
fitando o infinito
barco
vagabundo,
desliza à pele do rio
a árvore morta
dissolve-se
a tarde
no alarido das araras
e em flocos de chumbo
urubus desenham
no teto cinza da tarde
lentas espirais
o sapo, num salto,
cresce
ao lume do crepúsculo
buscando a manhã
as nuvens vermelhas,
o sol sumindo no rio
- silêncio noturno
alta madrugada,
vaga-lumes no jardim
brincam de ciranda
decifrando
códigos
o barco atravessa a tarde
na pele do tempo
caminhos
cumpridos
repousam sobre meu peito
teus pés minerais
para as pernas:
asas da manhã
flutuando à luz difusa
na pele do vento
para os seios:
raízes plantadas
no vasto campo do corpo-
casulos de sonhos
-------------------------------------------------
Zezé Pina
chuva
na praia
o céu beija o mar
gaivota espera
neva
lá fora
gato à lareira
silêncio na vila
velho
castelo
menina à janela
sonho de infância
lágrimas
na face
lenço nas mãos -
fim de romance
vida
repensada
noite de insônia -
manha cansada.
noite
calada
uma loba uiva -
homem no cio.
-------------------------------------------------
Zuleika Dos Reis
Relâmpago
azul.
Crescem os olhos da criança
no colo da mãe.
Dia
da criança.
Corre o trenzinho eletrônico
na TV da favela.
-------------------------------------------------
FORMA
www.haicai.com.br/forma.htm
Forma
poética do haicai, três versos: o primeiro, de 5 sílabas; o segundo, 7; o terceiro,
5 (origem oriental); contudo, tendo em vista a silabação diferente nas diversas
línguas, pode-se ter um verso mais curto, outro mais longo, outro mais curto.
Nas traduções de Bashô, podemos encontrar haicais com dois versos apenas. Os de
origem, via européia ou ocidentais, versos de 2 , 3 ou 4 versos. Contudo, prevalece,
ou é a forma mais aceita, a estrofe composta por três versos nos quais o poder
de síntese, a imagem, o vislumbre são requisitos primordiais.
Pontuação inexiste na forma japonesa; na oriental-brasileira e ocidental-brasileira, é opcional. O Grêmio Ipê de Haicai (oriental-brasileiro), faz uso da pontuação. Guilherme de Almeida e sua escola também pontuam essa micro-poesia.
A rima não acontece na forma oriental; na ocidental, é aceitável como acontece nos haicais guilherminianos (Guilherme de Almeida).
Titulação - Não há titulação no haicai oriental; no ocidental, latino-americano ou brasileiro pode haver ou não.
Pode-se dizer que Ocidente e América Latina oonstruiram a sua síntese poética, aos moldes das origens, mas com um sabor de novidade, "um sabor de amoras/ comida com sol/ a vida chamava-se agora" como no dizer de G.A. em INFÂNCIA.
Esquema do haicai bashoniano (oriental-brasileiro):
5
sílabas _ _ _ _ _
7 sílabas _ _ _ _ _ _ _
5 sílabas _ _ _ _ _
Esquema do haicai moderno (ocidental brasileiro):
silabação livre
14
sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
5 sílabas _ _ _ _ _
3 sílabas _ _
_
ou outras silabações, conservando-se porém os três versos, sendo dois mais curtos e um mais longo, preferencialmente, os 1ºs e 3ºs mais curtos e os 2ºs (centrais) mais longos.
-------------------------------------------------
BIBLIOGRAFIA
http://www.kakinet.com/caqui/brasil8.htm
Waldomiro
Siqueira Jr.
Hai-Kais. 1933.
Jorge
Fonseca Jr.
Roteiro Lirico. 1939.
Oldegar
Vieira.
Folhas de Chá (1a. coletânea). 1941.
Abel
Pereira.
Meu Livro. 1941.
Jorge
Fonseca Jr.
Do Haicai e em seu Louvor.
Guilherme
de Almeida.
Poesia Vária. 1947.
Fanny
Luiza Dupré.
Pétalas ão Vento. 1949.
Luís
Antônio Pimentel.
Tankas e Haicais. 1953.
Pedro
Xisto.
haikais & concretos. 1960.
Fernandes
Soares.
Rosa Irrevelada. 1960.
Primo
Vieira.
Estrelas de Rastros. 1964.
Millôr
Fernandes.
Hai-Kais. São Paulo: Senzala, 1968.
Jacy
Pacheco.
Musa Breve (haikais e trovas).1976.
Oldegar
Vieira.
Folhas de Chá (2a. coletânea). 1976.
Gil
Nunesmaia.
Intervalo. 1978.
Primo
Vieira.
Pirilampos. 1978.
Martinho
Bruning.
Folha e Flor do Campo. 1981.
Álvaro
Cardoso Gomes.
O Sereno Cristal. 1981.
Waldomiro
Siqueira Jr.
Quatrocentos e Vinte Haicais. 1981.
Dasso.
Primeiro Sol & As Trevas de Boro. 1982.
Martinho
Bruning.
Novos Poemas & Outros Hai-Kais. 1982.
Pedro
Xisto.
Particulas. 1984.
Alice
Ruiz.
Pelos Pêlos. 1984.
Paulo
Leminski e Alice Ruiz.
Hai Tropicais. 1985.
Olga
Savary.
Hai-kais. 1986.
Waldomiro
Siqueira Jr.
Haicais Reunidos. vol. I, 1986.
Rodolfo
Guttilla.
Apenas. 1986.
Cláudio
Feldman.
Navio na Garrafa. 1986.
Roberto
Saito.
Faíscas. 1986.
Débora
Novaes de Castro.
Soprar das Areias. 1987.
Millôr
Fernandes.
Hai-Kais. Rio de Janeiro: Nórdica, 1986.
Sílvia
Rocha.
Estaçao Haikai. 1988.
Saulo
Mendonça.
Libélula - 100 haikais, Editado pelo autor, João
Pessoa - PB, 1990
Alice
Ruiz.
Desorientais, São Paulo: Editora Iluminuras, 1996.