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[137] Haicaístas brasileiros
© by autores

FORMA
BIBLIOGRAFIA

Abel Pereira

DESABAFO

Para contar mágoas,
inclina-se a haste franzina
no espelho das águas.

O OCASO

No rio profundo,
o sol parece outro sol
a emergir do fundo.

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Abrahão Cost'andrade

Desvirginei
tuas pupilas,
penetrei teu mundo

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Ademir Antonio Bacca

tamborins batucando
na janela:
chuva de pedra.

árvores dançando
desvairadas na janela:
temporal

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Afrânio Peixoto
Júlio Afrânio Peixoto (Lençóis BA, 1876 - Rio de Janeiro RJ, 1947)
Miçangas: poesia e folclore. Sao Paulo: Ed. Nacional, 1931.

EMULAÇÃO

Quando um galo canta
Os outros todos respondem:
Nenhum quer faltar.

COMPARAÇÃO

Um aeroplano
Em busca de combustível...
Oh! é um mosquito.

PERFUME SILVESTRE

As coisas humildes
Têm seu encanto discreto:
O capim melado...

DISPARIDADE

Derrete-se o gelo.
Porém se resfria a água:
Ela fria, eu ardo...

ARTE DE RESUMIR

O ipê florido,
Perdendo todas as folhas,
Fez-se uma flor só.

ANCH'IO...

Na poça de lama
Como no divino céu,
Também passa a lua.

CRÍTICA A CRIAÇÃO

O boi come a grama
E nós o boi. Deus não teve
Imaginação.

HERANÇA

Ele pó, modesto,
Ela neve, pura: deram
Um pouco de lama.

MALLARMÉ OU VALÉRY

Fiz uma charada:
Não sabia que isto é hoje
A poesia pura.

SEU COLAR DE PÉROLAS

No céu do seu colo
As estrelas fazem ronda,
Adorando o rosto...

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Aída Godinho

No céu cintilante
mil vaga-lumes brincando:
mil sonhos vagando

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Alice Ruiz

primeira folha de outono
no chão começa
o meio do ano.

aparecem às vezes
teias de aranha
com borboletas presas

primavera
até a cadeira
olha pela janela

fazia noites
eu não te via
vagalume de dia

por uma só fresta
entra toda a vida
que o sol empresta

luzes acesas
vozes amigas
chove melhor

Fim de tarde
Depois do trovão
O silêncio é maior.

Entre uma estrela
E um vagalume
O sol se põe.

Varal vazio
Um só fio
Lua ao meio.

Rede ao vento
Se torce de saudade
Sem você dentro.

Você deixou tudo a tua cara
Só pra deixar tudo
Com cara de saudade

Não imite os antigos.
Continue buscando
O que eles buscavam.

quem ri quando goza
é poesia
até quando é prosa

apaga a luz
antes de amanhecer
um vagalume

vento seco
entre os bambus
barulho d' água

tanta poesia no gesto
nenhum poema
o diria

o relógio marca
48 horas sem te ver
sei lá quantas para te esquecer

circuluar
sonho impar
acordo par

desacerto
entre nós
só etceteras

manhã de outono
o verde do mar
também amarela

mar bravio
cada onda
novo silêncio

diante do mar
três poetas
e nenhum verso

nuvem de mosquitos
tocando violão
silenciosamente

sinal fechado
o menino atravessa
escrevendo versos

contra o prédio cinza
uma só flor
e todas as cores

procurando a lua
encontro o sol
mas já de partida

pôr-do-sol
em torno dele
todos os cinzas

començo de outono
cheia de si
a primeira lua

som alto
vento na varanda
a samambaia samba

trânsito parado
os mesmos olhares
e ninguém se olha

último raio de sol
primeiro da lua
outono nascendo

cerimônia de chá
três convidados
e um mosquito

sob a folha verde escura
a folha verde clara
trêmula dissimula

basta um galhinho
e vira trapezista
o passarinho

névoa na estrada
à beira de um sonho
um trem para Praga

tarde cinza
toda azaléia
arde em rosa

pássaro morto
no meio da estrada
carros que voam

amigo grilo
sua vida foi curta
minha noite vai ser longa

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Alonso Alvarez (1956-)
http://www.paubrasil.com.br/olhos/

uma folha salta
o velho lago
pisca o olho

chuva fina
tarde esfria
todo o lago se arrepia

nuvem grávida
ao entardecer
primeira chuva de verão

amor de verão
pipa rompeu a linha
fugiu com o vento

luar na relva
vento insone
tira o sono das flores

portas batendo
fugindo da chuva
o vento

na rua deserta
brincadeira de roda
vento se sujando de terra

relampejou
sobre as árvores
a tarde trincou

tarde de chuva
ninguém na rua
guarda a chuva

raios!
alguém rasgou
o terno azul da tarde

sol nas poças d'água
carro passa
espalha tarde na calçada

lua mínima
a tarde minguante
abre um sorriso

nenhum pio
depois do trovão
apenas uma fragrância

velhinhos na praça
só a tarde
não envelhece
(com Camila Jabur)

sol atrás da cortina
dizendo baixinho:
— já é dia

amanhece
sol atrás do prédio
vestindo-se de luz

sol e margaridas
conversa clara
na janela da sala

terreno baldio
o poente
e uma placa: vende-se

cada galho pro seu lado
mas na cor das flores
nenhum discorda

folia na sala
no vaso com flores
três borboletas

vaga tristeza
vaga lume
vaga só

outono
outrora
era outro

flores ao vento
na cortina da janela
cores da primavera

velho caminho
sol estende seu tapete de luz
passos de passarinho

manhã de sol
sombra do pardal no poste
primeira visita do dia

de manhã: mia, mia, mia
só depois de comer,
mia um bom dia

um pescador remando
o mar rimando
alguém admirando

lua nublada
no alto da montanha
a solitária árvore

ontem à noite
sonhei de corpo inteiro
— acordei com teu cheiro

antes de dormir
dois ou três haikais
prece sem pressa

madrugada barulhenta
manhã entalada
na garganta do galo

Borboletas amarelas
no ipê, revoada
de flores apaixonadas

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Álvaro Cardoso Gomes

Haste de bambu;
uma viola que chora,
sob a ventania.

Agonia do dia:
estrias do roxo poente
no olho da ave morta.

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Ana Suzuki

Noite na praia...
Os pescadores recolhem
a estrela cadente.

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Angela Togeiro Ferreira

O vento na rosa
Rouba-lhe o belo e o perfume,
ao tirar-lhe as pétalas.

Lágrima imatura!
Quando ouvi o seu triste adeus,
Traiu meu orgulho.

No bico do pássaro,
se o sol leva a escuridão,
vaga-lume é inseto.

Traças nos armários,
destroem qualquer passado,
roendo o inútil.

Ninho de colibri,
no cantinho da varanda,
no vaso de avenca.

Táboa no brejo,
enfeite do lamaçal,
escondendo rãs.

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Anibal Beça (1946-2009)
http://portalamazonia.globo.com/anibal/haicais.htm

FOLHAS DA SELVA

Girassol na tarde
se curva em reverência:
o sol se vai.

Abre o camponês
sulcos de arado na terra.
Em seu rosto rugas.

Seis hora da tarde:
sons de cigarras prolongam
os sinos do templo.

Cochicho de folhas.
Varre o vento na calçada
secas lembranças.

Bem que me agasalho.
Galhos sem folhas lá fora
parecem ter frio.

Noitinha na várzea:
com a lua na garupa
búfalos regressam.

Ao sol na vereda
o ventre inchado em rodilha
jibóia a jibóia

No alto a lua fria;
no prato a sobra da janta:
beiju desprezado.

Canto e contracanto:
o pica-pau reclamando
do som do machado.

Na soleira do sítio
a negra graúna canta
ao silêncio do sol.

Broca no bambu
deixa furos vazados:
O vento faz música.

Céu de primavera.
Nas açucenas floridas
dura mais o orvalho.

Jogando a tarrafa
caboclo desfaz a lua.
Pesca estrelas de escamas.

Abro o armário e vejo
nos sapatos meus caminhos.
Qual virá comigo?

Vento de verão
vem com bafo de mormaço -
garoa ameniza.

Coruja na cumeeira
arrepia no seu canto -
a viúva reza.

Folha no rio
vai para o mar sem volta -
chorão se renova.

A cigarra canta
o anúncio de sua morte -
formigas na contra-dança.

Sobe a piracema -
ano que vem outros peixes
nadarão de novo.

Apenas um gesto
e o homem é capaz de vida -
reparto o caqui.

Cercada de verde
ilha na hera do muro:
uma orquídea branca.

Seis horas da tarde:
sons de cigarras
os sinos do templo

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Antônio Rogério de Lima

primavera se vai
descem do céu num instante
o sol e a pipa

verão camponês:
a cantiga dos grilos
adormece o dia.

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Áurea de Arruda Féres

Imitando sedas,
o bambual farfalhando
nos ermos da mata.

O azul da fumaça
tem o fascínio dos sonhos.
Perfume de incenso.

Num vaso solitário
perfuma toda a sala
um único jasmim.

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Bernard Waldman

Os esbugalhados
olhos giram, buscam sol.
Girassóis no campo.

No metal do carro
o batuque do granizo.
Bumbo do trovão.

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Camila Jabur

vento nas cortinas
fico atenta
ao que a manhã ensina

passarinho na cerca
enfeita o infinito
da colheita

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Carlos Martins

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Carlos Seabra

fruta caída
ao lado da estrada:
pausa na ida

úmida gruta
desejo toma corpo
boca na fruta

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Célia Lamounier de Araújo (1943-)

A casa esqueleto
que subindo... busca o céu
comigo faz dueto.

O verde se pinta
mostrando serenas tramas
recriando a tinta.

Imaginação...
na minha vida mil vezes
eu liberto/ação.

Sobe, desce só.
Desce só quem já subiu...
desce, vira pó.

Em golpe sutil
na madeira esculturando
GTO eterno.

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Celso Pestana

Explodem os fogos
E a rolha de um champanhe -
Feliz Ano Novo!

Preto Velho joga os búzios:
"Tá bonito, misinfio!"

Marina da Glória -
Mastros e cordas imóveis
Sob o mormaço.

Auto da Paixão.
A barba do Jesus Cristo
Está cai, não cai.

Vento frio...
A velhinha resmungona
Apressa o passo.

Dois passarinhos -
Também vou ajeitando
Meu ninho de pedras.

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Clarice Lispector

AMOR A TERRA

Laranja na mesa.
Bendita a árvore
que te pariu.

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Cláudio Daniel (1962-)
pseudônimo de Claudio Alexandre de Barros Teixeira

Espelho d’água —
o céu-ouro-quase-jaspe
o louva-a-deus

Chuva de vidro
o, li, tró, pi, he, o
vento e vento.

dia após dor
após dia, luz após
dor após lua

chuva de cristal
nos campos secos
— lágrimas do cao?

o tempo? viagem
do pó ao pó — os pés,
os paus e pedras

insônia:
uivo de lobos
nas pupilas

dia de finados
o branco da nuvem
e o crisântemo

a lagarta
olha no espelho
a mariposa

praia de corais
— mulheres de água,
peixes de luz

esse canto
é azul, azul, azul
quase branco

uma beleza
— sem pés, maos, boca,
olhos, nada

o relâmpago
há dois lábios
e quatro pálpebras

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Cláudio Feldman

DESDÉM

Alguém deixou
O chapéu para o vento,
Que atira longe o presente.

VENTANIA

A ventania rouca
Em cada folha
Cria uma boca

SECA

Corvos
Nos galhos curvos:
Únicas folhas.

DIA LENTO

Dia lento:
Um velho cavalo
Subindo a encosta.

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Clicie Pontes

Cenário de outono
Nos braços do vento, você e eu
Perdidos na vida.

Relãmpago na noite!
Revelando na colina
A capela branca...

Tear suspenso
A mercê da brisa
O balanço da aranha.

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Corinne Marian

SEGUNDO PESCADOR

A linha do horizonte
segura o anzol:
pescando o mar

RITMO

Na campina
dançam estrelas:
vaga-lumes piscam

DELICADEZA

Ternos ruídos:
borboletas celebram
a primavera

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Cristina Saba

nos dias de outono
as folhas largam no ar
um cheiro de sono

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Cyro Armando Catta Preta

SONO

Incorpóreo fujo,
sonhando me libertando
do meu caramujo.

FOTOGRAFIA

Entre adeuses a ais,
a saudade de outra idade
que acena: jamais...

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Dasso

a ave rompe o ovo
o bico aberto, o corpo desnudo
o fim de um mundo

na ranhura da pedra
esquecida pelo vento
uma flor de lótus

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Débora Böttcher

Estrelas brilhantes
magia do céu
carinhos noturnos...

Madrugada nos pólos
Lobos no gelo
Brincadeira de amar...

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Débora Novaes de Castro

tempo interio
abelha trabalhadeira
mel de abelha

na ribalta
uns restos de luar
dançarinos solitários

concha perolada
descoberta pelos ventos
soprar das areias

varando nuvens,
levando sonhos d'ouro
cavalo alado

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Delores Pires (1947-)

GEADA

Nas manhãs de frio
a paisagem, tiritando,
se veste de branco.

ESQUILO

Veloz, irrequieto,
saltita na melodia
do cricri dos grilos.

ORQUESTRA

Natural orquestra
toca no quente verão:
canto de cigarra.

CREPÚSCULO

Luz de fim do dia.
E a tua imagem flutua...
Vaga nostalgia!

MUDANÇA

Cheia de neblina
a cidade, em verdade,
foge da rotina.

ACENTUAÇÃO

Em torno de si
o guarda-chuva coloca
o pingo nos ii.

SIMPLICIDADE

Singela e formosa
Num torvelinho de espinho
Desabrocha a rosa.

SOLITUDE

Silente, à tardinha,
desliza ao sabor da brisa
gaivota sozinha.

-------------------------------------------------

Douglas Eden Brotto

Olaria. Nos cãntaros
ecoa o cair de chuva...
Um gato ressona...

Fim de agosto.
Lua nova! Mará viva!
Pululam peixes...

dissolve-se a névoa
no sovacão da montanha...
dormitam cavalos

-------------------------------------------------

Edival Perrini

INFÂNCIA

Um sótão
dois dedos de céu
cisterna de mistérios.

TERRA

Na via-láctea,
um poço.
Existe algo mais plural?

VÉRTICE

Homem em pé sobre a canoa
pesca a manhã de cada dia,
noventa graus de poesia.

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Eduardo Feijó Neto Machado

COMPANHEIRO

Você vem comigo
mesmo onde eu não for
e me leva?

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Edson Kenji Iura

Operários somem
Ao longo da passarela
Envoltos na névoa.

Vento de primavera:
Sobre uma antena, um pardal
Trina e defeca.

No cimento quente,
A ilusão de um oásis:
Vaso de samambaias

Uma borboleta
Beija uma flor murcha
Sobre a lousa fria

Na tarde chuvosa,
Sozinho, despreocupado,
Um pardal molhado

Noite de Ano Novo:
Após a queima de fogos,
Estrelas silenciosas

Além de helicópteros
Há algo mais cortando os ares:
Faceira libélula

Vento de inverno:
O gato de olho vazado
Procura seu dono

Procurando pouso
Na rua movimentada,
Borboleta aflita

Este álbum de fotos:
Também as traças se nutrem
De velhas lembranças

Outono findo:
O mendigo muito formal
Em seu paletó

A rua deserta.
No ultimo dia do ano,
Vendedor de biju.

O mendigo sonha
Entre sacos de lixo
E flores de ipe.

No galho mais alto
Morre a pipa pouco a pouco
Ao cair da chuva

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Eliakin Rufino

com um traço
o desenhista faz
o vôo do pássaro.

lua de maio
prazer crescente
no meu quarto

desejos de sangue
nos meus dentes
caninos

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Eliane Pantoja Vaidya

Me comovem
tuas mãos limpas
e tua cabeça suja.

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Elson Fróes

Sol no templo
solto o tempo
só contemplo

A grama diz
o que o vento diz
o indizível bis

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Eno Teodoro Wanke

A casa velha do prostíbulo
apresenta, de dia,
olheiras nas janelas maldormidas

DEPOIS DA CHUVA

O sol, apressado
espalha a dourada toalha
pelo chão molhado.

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Eolo Yberê Libera

Você se parece
com este galho de acácias
repleto de sóis.

Guardei para você,
num verso de porcelana,
as flores da manhã.

A mão que me espera
traça o caminho da volta
abrindo janelas.

Virada do morro:
Ipê e seu grito amarelo
perpendicular.

É muito silêncio
enquanto as flores não crescem
e os poetas dormem.

Não sei teus gestos
nem a cor do teu sorriso
mas pressinto os passos.

Neste bosque urbano
árvore feita em concreto
- meu corpo estremece.

As cores da noite
recamadas de silêncio
preparam o dia.

Borboleta azul
raspa este céu de mansinho
insegura e frágil.

Havia o escuro
mas eu não sabia onde;
teu rosto era sol.

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Érico Veríssimo (1905-1975)
Erico Verissimo Lopes

Gota de orvalho
na carola dum lírio:
Jóia do tempo.

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Eugénia Tabosa

Sobre o estendal
A cerejeira prepara
O amanhecer

O trigal maduro
ondula ao vento...
O corvo espera.

Olhando nos olhos
que o lago reflete
Narciso se esquece

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Eunice Arruda

OBSERVANDO

Sim

as horas de trégua
Quando se afima
as facas

TELEGRAMA

Mamãe morreu
Ficamos
Envergonhados

PAISAGEM

o sol se
põe
Girassóis olham o chão

*

Noite outonal!
Minha avó contando histórias
Na varanda. Agora

À beira do lago
aliso o brilho da lua
com as mãos molhadas

Noite estrelada
O céu - brilhando - se abaixa
Silenciosamente

No campo queimado
ainda uma leve fumaça
Tronco resistindo

Extático vôo
Borboletas de asas abertas
Alfinetes nas costas

Noite de junho
O balão subindo colorido
Alegre despedida

Solidão no inverno
o velho aquece as mãos
com as próprias mãos

Fiapos nos dentes
o rosto todo amarelo
É tempo de manga

Verão. Meio-dia
Na sombra de uma nuvem
o boi cochila

Sobre a folha seca
as formigas atravessam
uma poça d'água

Árvore cortada
No tronco tao machucado -
O verde brotando.

Malas nas maos.
Nos olhos tantas lágrimas.
Casa inundada.

Foi tao rica a safra!
Até os arrozais se curvam
Em reverencia.

Estrela de inverno
Embora distante e fraca
Procura brilhar.

Lua na janela, Edições Caqui, 1999 - S.Paulo, Brasil

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Fabiano Calixto

DIVINA LOUCURA

Um tombo escorre
Do olho que não escolho
E a noite morre.

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Fanny Luiza Dupré (1911-1996)
http://www.kakinet.com/caqui/fanny.htm

Lágrimas da noite
orvalham a sepultura
na manhã dos mortos.

Uivos. Noite escura.
Não suporta a onda de frio
o cão vira-lata.

Saudosa de ti
caminho só pela rua.
É noite de estio.

Sobre a laje fria
diz adeus à primavera
uma rosa murcha.

Ilhotas boiando.
Sob um céu vasto e sereno
este mar tranqüilo.

Tremendo de frio
no asfalto negro da rua
a criança chora.

Velho casarão.
Iluminam o interior
raios de luar.

Noite tenebrosa.
Pia a coruja agourenta
no velho telhado.

A pedra da rua.
Humilham-te sem cessar.
Ah! os pés humanos...

Noite fria, escura,
no asfalto negro da rua
late o cão vadio.

Laranjais em flor.
Ah! que perfume tenuíssimo...
Esperei por ti...

Bolha de sabão.
Borboleta distraída...
Colisão no ar!

Caem as flores murchas...
No quintal abandonado
um só mamoeiro.

Rua São Luiz.
Nas nostálgicas sarjetas,
do ipê, flores roxas.

Vendinha de bairro.
Ressona feliz gatinho
no saco de estopa.

Boêmio da noite
no portão enferrujado.
Morcego dormindo.

Mosaico no muro.
O gato ensaiando o pulo.
Azuis borboletas.

Crepita a fogueira...
Entre nuvens mais estrelas.
Fogos de artifício.

Estrela cadente.
No seu rastro luminoso
um desejo meu.

-------------------------------------------------

Fausto Rodrigues Valle

As flores do ipê
como fogos coloridos
explodem na mata.

A chuva caindo
é cantiga de ninar
nas telhas de barro.

-------------------------------------------------

Francisco Handa

Nos canaviais
facões refletem a luz
do sol explodindo.

Neste imenso agreste
a formiga em romaria
anuncia boa chuva.

Estrela cadente.
Apenas desolação
nos olhos do idoso.

Ao cair relâmpago
um silêncio demorado
por alguns segundos.

Noite de verão.
As galinhas vão dormir
um pouco mais tarde.

Calendário novo.
Em primeiro vou contar
os dias vermelhos.

Final de verão.
Lágrimas de despedida
durante o velório.

-------------------------------------------------

Francisco Moura Campos

O trenzinho frágil
– num esforço secular –
vai subindo a serra.

Disparos de flashes.
Vaga-lumes fotografam
minhas retinas.

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Franklin Magalhães (1946-)

Explode o relâmpago.
No susto o gato derrama
o pires de leite.

Sombra e água fresca.
Samambaias fazem a festa
na beira do poço.

Trepidar de trens
sobre o pontilhão de ferro.
O dia vem chegando.

Areia escaldante.
Marias-farinha nem ousam
sair do buraco.

Carnaval chuvoso.
Cães molhados e arlequins
na porta do bar.

Chuva com relâmpagos.
Há cortinas de diamantes
no beiral da casa.

Olhinhos atentos
aprendem como vovô
descasca laranjas.

Chove nos bonsais.
Caracóis se perpetuam
sem nenhuma pressa.

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Fred Maia

girassol
a luz da manhã
a menina dos olhos dança

enganados
os galos cantam
a lua saída do eclipse

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Gabriela Marcondes

Minha mão vazia
Esperando a sua
Encontro que cria.

Harmonia sem acorde
nota em contratempo
A dissonância morde

Sair do protocolo
Contornar a mesmice
Bancar o vôo solo.

Alma que sente frio
distância que aprisiona
A saudade está no cio.

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Gil Nunesmaia

ARREBOL

No dorso azulado
dos montes distanes cresce
uma poeria de ouro

CREPÚSCULO

Vai morrendo o dia.
Como uns abutres famintos
pairam, descem sombras

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Glauco Mattoso

Cadáver no asfalto.
Do alto do viaduto
aplaudem o salto.

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Guilherme de Almeida (1890-1969)

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Gustavo Alberto Corrêa Pinto

Sob as cobertas
em plena escuridão
ouço um galo!

A rede range
sob o peso do sono
e do almoço.

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Gustavo Felicíssimo (1971-)

esforço tremendo –
uma gaivota insistente
vai vencendo o vento

outra vez florida
a minha enorme alegria –
pomar de cajueiros

algo mais perfeito?
as folhas mortas no campo
fecundam a terra

ardendo em desejos
se inflama a gatinha em chamas -
ásperos gracejos

a moça que passa
ofusca o brilho do sol –
esqueço a cerveja

um homem vaidoso
viu-se na lâmina d'água –
encontrou Narciso

eu sonho acordado
com o próximo poema –
mas ele não vem

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H. Masuda Goga (1911-)
http://www.kakinet.com/caqui/goga.shtml

Ipê milenar
numa fazenda em ruínas
auge da florada!

Paineira em flor:
relembrando a cerejeira
um velho imigrante...

Em cima do túmulo,
cai uma folha após outra.
Lágrimas também...

Primavera alegre
Os namorados com walk-man
Percorrem o parque.

Flores silvestres
pequeninas e sem brilho
à espera de abelhas...

O ano fenecendo...
preocupação nenhuma:
só penso em haiku!

As nuvens douradas
Flutuam no pantanal
- florada de ipê

Paineira em flor:
Casa-grande abandonada,
sem telha nem porta

Ah, mosca de inverno
- questão de dia ou de hora -
seu último instante?

Libélula voando
pára um instante e lança
sua sombra no chão

Eco dos trovões:
O aguaceiro, de repente,
faz subir o rio

À noite... sozinho...
me deixam mais pensativo
os cantos de insetos

Uma aldeia pobre,
ao pé da serra de inverno -
mina antiga de ouro

Toque de buzina:
atravessa o rio seco
a boiada em ordem

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Hazel de S. Francisco

Ondas de flores
na festa de Iemanjá.
Primavera no mar.

Sol a pino.
Só o sibilo da cigarra
quebra a calmaria.

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Helena Kolody (1912-2004)
http://www.kakinet.com/caqui/kolody.php
http://www.mundovestibular.com.br/articles/2438/1/VIAGEM-NO-ESPELHO---Helena-Kolody-Resumo/Paacutegina1.html

Arco-íris no céu.
Está sorrindo o menino
Que há pouco chorou.

RESSONÂNCIA
Bate breve o gongo.
Na amplidão do templo ecoa
o som lento e longo.

FLECHA DE SOL
A flecha de sol
pinta estrelas na vidraça.
Despede-se o dia.

NOITE
Luar nos cabelos.
Constelações na memória.
Orvalho no olhar.

SAUDADES
Um sabiá cantou.
Longe, dançou o arvoredo.
Choveram saudades.

REPUXO ILUMINADO
Em líquidos caules,
irisadas flores d'água
cintilam ao sol.

DEPOIS
Será sempre agora.
Viajarei pelas galáxias
universo afora.

ALQUIMIA
Nas mãos inspiradas
nascem antigas palavras
com novo matiz.

JORNADA
Tão longa a jornada!
E a gente cai, de repente,
No abismo do nada.

SEMPRE MADRUGADA
Para quem viaja ao encontro do sol,
é sempre madrugada.

RETRATO ANTIGO (1988)
Quem é essa
que me olha
de tão longe,
com olhos que foram meus?

VOZ DA NOITE (1986)
O sol se apaga.
De mansinho,
a sombra cresce.

A voz da noite
diz, baixinho:
esquece... esquece...

A MIRAGEM NO CAMINHO (1978)
Perdeu-se em nada,
caminhou sozinho,
a perseguir um grande sonho louco.

(E a felicidade
era aquele pouco
que desprezou ao longo do caminho).

DOM
Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la.

POESIA MÍNIMA
Pintou estrelas no muro
e teve o céu
ao alcance das mãos.

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Humberto del Maestro

A lua, cansada,
adormeceu por instantes
no leito do rio.

Começo de chuva...
A tempestade faz festa,
no meio da rua.

Ao primeiro susto,
os pombais, cheios de arrulhos,
ficaram vazios.

Longa chuvarada...
Nos matos e nas lagoas,
um canto de vida.

Na velha roseira,
entre as folhas e os espinhos,
uma aranha tece.

Não é meia-noite
e as mariposas cansadas
já dormem nas praças.

Muita brisa à noite.
Dos jasmineiros da rua,
perfumes e flores.

A tarde é bem quente.
Cansada, boneca ao lado,
menina dormindo.

Sentei-me na praia
e quando dou pela coisa
o mar me beijava.

Natal em festejo!
Os filhos não me visitam...
Papai sem presentes.

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Ignez Hokumura

Alvo esplendor.
Lado a lado no tanque
– a camélia e a lua!

Daquele Buda
ninguém mais se lembra.
Apenas o vento...

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Inês Mafra

VERÃO

Milhares, milhões de sóis acesos
um barco branco
ancora no céu

INVERNO

Sonhando com fogo
O corvo adormece

Sobre a chaminé.

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Jack Rubens

Cartas dos meus amigos
são borboletas brancas
batendo em minha janela.

Junto ao meu ouvido
o mar fala comigo
no sussurro da concha.

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Jacy Pacheo

Tartaruga, sábia,
recolhida em sua concha,
leva longe a vida.

A última árvore
ruirá sem ninhos, chorando
o último pássaro...

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Jandira Mengarelli

cumplicidade de ais:
a areia bebe
o choro do mar

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Joanyr de Oliveira

A palavra alcança
o coração do silêncio:
floresce o poema.

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Jorge Fonseca Jr. (1912-1985)
http://www.kakinet.com/caqui/fonsecbi.htm

Com um vácuo n'alma,
na serra, contemplo a lua
sobre precipícios...


Do Roteiro Lírico (1939)

Nesta catedral,
quando arde o sol, toda tarde,
sangra este vitral...

Ah! estas flores de ouro,
que caem do ipê, são brinquedos
pr'as criancinhas pobres...

Para o sol que morre,
o algodoal estende, grato,
um lençol imenso...

Bem-te-vis cantando
na festa de luz e cores!...
Falta-me luz na alma...

Que tarde ventosa!...
Ah! nem tufão leva esta árvore
que o cipó enlaçou!...

Bananal... calor...
Tropicalissimamente,
vou chegando a Santos...

Este abacateiro
acende, ante a luz do luar,
suas suaves lâmpadas...

Ah! o chimarrão quente!
O frio forte dos pampas
foge um pouco assim!...

Estes girassois
chamariam alto o sol,
se tivessem voz!

O sabiá cantando,
parece que esta saudade
foge-me um pouquinho...

Noite... praia... Nua,
tesa, a palmeira se entrega
ao clarão do luar...

Velame colhido,
lá dorme, na noite enorme,
num porto esquecido...


De Brasa Dormida (inédito)

Noite úmida e fria...
No chão da praça deserta,
cai do ramo a flor...

Escurece rápido.
Insistente, a corruíra
cisca no quintal...

Frias, escorridas,
as ramagens do chorão,
no poço da noite...

A chuva parou.
Um leve vapor, do chão,
sobe e, ao sol, se irisa...

Ouro, prata e azul...
E o vento fresco soprando
na tarde que cai...

A folha caída,
pousada, seca, num galho,
como um passarinho...

Ufa! que parece
que a gente vai caminhando
com o sol às costas!...

Ao sol da manhã,
as andorinhas, no fio,
fazem a "toilette"...

Meiguice do sol
no ninho do tico-tico
piando no crepúsculo...

Fundo de quintal...
Silêncio. No velho muro,
uns cacos de sol...

Múrmura e ligeira,
por sobre as flores da serra,
vai a água entre as pedras...

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Jorge Lescano

Fugindo do sapo
o vaga-lume se esconde
no meu sapato.

As sombras, no bosque
enquanto as sombrinhas
passeiam ao sol.

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Jorge Piero

estrela no céu
brilha nos olhos do gato
miados ao léu.

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José Carlos Capinan

Não sei tirar tua blusa
Mas quando meu sonho te despe
Tiro hábil tua pele

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José Geraldo Neres
projeto literário: "poemínimos"
www.palavreiros.hpg.ig.com.br
jgneres@uol.com.br

o tempo brinca
carruagem suspensa
muralha d’água

---

montanhas
lado a lado
o rio escorre

---

jogo o avião
-pássaros de papel-
fico no chão

---

saudade
prédios caídos
vou à escola

---

meus olhos
não vêem
o seu sustento

---

amigo
vou soltar a corda
continuas comigo?

---

lata na cabeça
crianças no ventre
vai aonde?

---

gerações
labuta lavoura
perdida infância

---

não tenho medo

o espelho passado-vermelho
mas hoje
eu não sangro

---

bate o sol
na vidraça
de olhos verdes

---

entorpecido

som noturno
lamento
caça um cúmplice

prazer

---

orquídea
traz a rama
na trama do tempo

---

gestos
gestantes, dor
grita uma criança

---

sopro a cabeça
flauta doce
chapéu de música

---

outono
azul-orvalho
gotas de dias

---

mariposa
pousa no
beijo de sol

---

árvores
fruto-maduro
o dia abre flor

---

o vento
acaricia o dia
na relva sonolenta

---

lentamente
o dia caminha
a trilha do tempo

---

cambiar beijos
no desejo-tormenta
taça caliente

---

fruto pecado
maça morde pêra
macio corpo

-------------------------------------------------

José Marins

manhã no parque
refletido na lagoa
um ipê florido

pausa no quintal
diante da pitangueira –
flores ao luar

estrada florida
os passos vão devagar
junto com a brisa

sol de fevereiro
o prateado da tilápia
na ponta da linha

apago a lanterna
na barraca surge a luz
de um vaga-lume

final da manhã
um tempo para a esposa
e suas margaridas

começo da tarde –
na banana sobre o muro
um sanhaço azul

um templo vazio —
no silencioso refúgio
o canto do grilo

tardinha de maio
o sol se foi dos vitrais
e a noiva não veio

domingo no parque
barulho de folhas secas
entre os caminhantes

cafezal geado —
busca um sino ao longe
mudo lavrador

gato na varanda
vê o cachorro se molhar
garoa de manhã

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José Waldir F. Rocha

o sol da manhã
derramou gotas de ouro
sobre os louros trigais...

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Juscelino Vieira Mendes
http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/poesia/haicais.htm
http://planeta.terra.com.br/arte/juscelinomendes/poesia/haicais2.htm

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Lêdo Ivo

NOITE DE DOMINGO

Acabou-se a festa.
Resta, no silêncio,
o rumor da floresta.

O LAGO HABITADO

Na água trêmula
freme a pálida
anêmona.

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Leila Míccolis

A abelha tristonha,
fauna e flora devastadas,
produz mel amargo.

Árvore sem folha
em invernos rigorosos
parece que hiberna.

Ventos exibidos,
que cantam fortes, uivantes,
também desafinam...

No branco polar
urso pra não ser caçado
esconde o focinho.

Nem tudo são flores
nos meses de primavera.
Voam marimbondos...

Meninada ao sol.
Sorvetes se derretendo.
Mar - pingos mais doce.

Coruja, famosa
por excelente visão,
parece usar óculos.

Infância no campo
brincava nas plantações.
Bonecas de milho.

Gripe forte? Não!
Apenas adormeci
entre espirradeiras.

O peixe no aquário
na varanda em frente ao mar
desdenha: está verde...

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Leonilda Hilgenberg Justus

Ao homem andando
com a esperança no peito
o horizonte é perto

A pedra chorava
a imobilidade eterna
- ansiava ser pássaro.

Momento bendito
o que me entregou aos livros
afastando as pedras.

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Leontino Filho

Pedras sobre a vidraça
aquecem
a luminosa prece.

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Leopoldo Scherner

Melhor, minha dor.
Que não beijo, que não cheiro...
Inúteis as flores

Amor é silêncio.
Outro silêncio maior.
Depois de um silêncio

O relógio disse as horas
exatamente como
elas são.

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Letícia Bergallo
HaiQuases

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Luís Antônio Pimentel

Homens sol a sol,
suor e subnutrição...
nasce o arranha-céu...

Morre lento o sol...
Nas grandes sombras deitadas,
um pranto de folhas...

Pesado de cana
rangem os carros de boi
moendo as estradas...

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Luiz Bacellar (1928-)

O lírio levanta
no meio da noite
seu copo de leite

Vestido de flores
dança ao som do vento
como um deus hindu

Sorvendo o jambu
ela cria um halo
de sensualidade

O besouro roda
na bola do esterco
o tempo futuro

Zumbido de mosca...
3 caquis derretem
de calor no prato

Se o laço do obi
voasse ao ikebana.
Borboleta azul?

Formigas na porta
carregam o corpo
da cigarra morta.

O mar está bravo.
Bate, e enfurecido,
canta nos rochedos.

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Lyad de Almeida

Diz a bomba
à super bomba de nêutron.
- "Enfim! Enfim, sós..."

Reparto meu pão,
E ainda me recriminam:
- "Guardou a manteiga!"

À beira da estrada,
a cruz de madeira, rústica,
reverdece em ramos.

Morreu a velha árvore...
Ressurreição! Dos seus troncos
foram feitos berços...

Em terreno limpo
plantei sementes de amor.
Surgiram as pragas...

"É noite!" "É dia!"
E, assim, pelas acmpinas,
brincam pirilampos.

Do livro: "Haikais", Ed. autor, 1992, RJ

A lagoa pútrida
espera a luz das estrelas
para mostrar brilho...

Diante da máquina
hesita a operária. Tece
o pano ou o sonho?

Finados.
Sacrifício das flores
para embelezar a morte.

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Mailde Tripoli

Flores no jardim,
jabuticabas no quintal!
Eis a primavera.

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Maria Dinorah do Prado

Coração vazio!
Amarrando o quase e o quando
numa pipa sem fio!

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Mariana F. Hoffmann

Retalhos da noite
nebuloso lençol
estrelado de nós.

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Mariazinha Trindade (?-?)

Nesta sala me sinto
como um pássaro cativo
e anseio pela liberdade de uma árvore.

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Marien Calixte

Cão morto
sobre asfalto branco.
A cidade dorme.

Seixos se partem
madeiras se cortam
idéias se movem.

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Martinho Bruning

Cidras e limões
celebrando a luz do outono,
que neles perdura.

Pintava um mar calmo,
e fora o mar agitado
batendo na porta

Debaixo da folha
o inseto, a ouvir o ruído
dos pingos de chuva...

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Mary Leiko Fukai Terada

Num só cobertor
Órfãos num canto da rua
- Menino e gatinho.

Por entre a neblina
Subindo a Serra Vernal
Bisbilhota a Lua.

Vestido de alças
Já desnuda a alva pele
Nestes dias tépidos.

Girando em cores
Sobe a bolha de sabão
- Gritos também sobem.

Sapo no quintal
Uma vassourada trêmula
Nos dois a pular.

Gatos no quintal
Disputam gata no cio
- Rato vai... e vem.

O velho salgueiro
Inclinado sobre o lago
Resmunga baixinho.

Margeando riacho
Tenras folhinhas brotam
No campo queimado.

Nesta fria noite
Dorme no fundo do poço
A Lua encurvada.

Um depois do outro
Chegam os cartões de Natal
- Saudade dos amigos.

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Millôr Fernandes (1924-)

há colcha mais dura
que a lousa
da sepultura?

Com que habilidade
Você estraga
Qualquer felicidade!

O desenvolvimento cerebral
Nunca se compara
Ao abdominal.

Não é segredo.
Somos feitos de pó, vaidade,
E muito medo.

No falecimento
Lenço grande demais
Pro sentimento.

Eremita, me afundo
No deserto, pra ser
O centro do mundo.

Esnobar
É exigir café fervendo
E deixar esfriar.

Aniversário é uma festa
Pra te lembrar
Do que resta.

Olha,
Entre um pingo e outro
A chuva não molha.

Estrela cadente
Ponto de exclamação
Quente.

Não sei se mudo
A sexta-feira é um dia
Longe de tudo.

Fiquei bom da vista!
Depressa,
Um oculista!

Na poça da rua
O vira-lata
Lambe a Lua.

A palmeira e sua palma
Ondulam o ideal
Da calma.

O veludo
Tem um perfume
Mudo.

Meu dinheiro
Vem todo
Do meu tinteiro

Nos dias quotidianos
É que se passam
Os anos

coisa rara:
teu espelho
tem minha cara

É meu conforto
Da vida só me tiram
morto

A vida é um saque
Que se faz no espaço
entre o tic e o tac

Lá no pico
a gaivota acorda o sol
com o bico.

POEMEU EFEMÉRICO

Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril

POEMEU NO MEIO DO CAMINHO

E ninguém fala dos escombros
Da antiga alma feminina
Pesando em nossos ombros!

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Mônica Banderas

CLONE

Clone por clone
melhor o meu:
sou clone de Deus...

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Nélson Norberto Gonçalves Rudrigues

Vejo com tristeza
em grandes latas de lixo
a ceia dos pobres

Um raio de sol
atravessou a vidraça
e não a rachou

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Nelson Savioli

Lá fora, lua fria.
Leve balanço do trem
lembra minha mãe.

O grilo aparece
no meu livro de latim.
Dois analfabetos.

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Nempuku Sato

Pio de pássaro noturno
Ou bramido de veado?
Bêbado de pinga!

São todos meninos
Os oleiros da olaria —
Vento de primavera

Se houver fé
Poucas palavras bastam.
Lume outonal.

Pairando no ar
Meus castelos de sonho
Ao som de gorgeios

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Newton de Lucca

HAIKAI SEM IMAGINAÇÃO

ao esplendor do cinema
e à farsa da televisão
preferi a solidão do poema

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Oldegar Franco Vieira (1915-2006)
Gravuras no vento (1994)

UM FILÓSOFO

Um velho coquerio
– interrogativamente –
mira -se no brejo.

O VENTO NAS PORTAS

O vento batendo
as portas; lembranças mortas
vão revivendo.

REVOADAS

Revoadas brancas
sobre os rochedos escuros:
gaivotas e espumas.

ALVORADA

Pouco a pouco vai
o canto claro dos galos
clareando o dia.


Folhas de chá
(1940)

Todas as manhãs
meu jasmineiro fragrante
cobre o chão de flores…

A boca da noite
Avançou na lua cheia;
um quarto minguante.

Brutos lenhadores!
Mas uma árvore pouparam.
Havia, nela, um ninho.

A fogueira branca
dos vagalumes parece
um baile de estrelas.

As sombras se adensam
Mas a noite é uma urupemba
peneirando estrelas…

Em revoadas brancas
sobre os rochedos escuros,
gaivotas e espumas…

A cidade dorme.
Só os cães enfiam longos
uivos no silêncio.

São os seus cabelos
soltos no vento, ou um erradio
trapo da noite?

A noite se empoa
com o pom-pom da lua cheia
no espelho do dique.

- Quem foi que apagou
a iluminação da rua?
– Um amigo da lua.

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Olga Savary

Venenos
eu os bebo todos. Ouro?
Só tua ausência.

Que arda em nós
tudo quanto arde
e que nos tarde a tarde.

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Olinda Marques de Azevedo

Crepitar do fogo.
Na lareira ardente
soam castanholas.

Poluição! Calor!
Na praça um chafariz.
Crianças brincam.

O velho casaco
esquecido no cabide.
Frio da ausência.

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Paulo Franchetti (1954-)

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Paulo Leminski (1944-1989)

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Paulo Munhoz

Bambu furado
Vento quente e úmido
Soprando flauta

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Paulo Roberto Cecchetti

ARCO-ÍRIS

Chuva de verão,
traz arco-íris no céu:
gotas de cristal!

GIRASSÓIS

Sol de rimavera,
brilho da manhã na relva:
Girassóis, tão sóis...

-------------------------------------------------

Paulo Tomás Neves

Noite, vem e traz
a vontade de tocar
todas as estrelas.

Nunca saio só
levo comigo a lua
mesmo de dia

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Pedro Geraldo Escosteguy
Haicais inéditos
Seleçao de Martha Goya

X
De renda em renda
a rendeira
virou lenda.

XVIII
Noturno campo
ilumina a retina:
um pirilampo.

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Pedro Maciel

a noite
nasce nua
nenhuma lua

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Pedro Xisto

uma ave a descer
além – leve e lenta – além
(suave esquecer)

de luto o poente:
muda elegia? elegia-se
a Lua crescente...

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Primo Vieira

CREPÚSCULO

A luz sem alarde
definha. A última andorinha
risca o céu da tarde...

PAZ

– Que inveja me dás,
ermida no monte erguida
comungando paz!

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Regina Carvalho

O céu rebordado.
Súbito cai uma estrela:
tua sorte traça.

No pinheiro torto
lágrimas por tua ida.
Quando a tua volta?

No final da tarde
compridas sombras no muro.
E o som dos teus passos...

-------------------------------------------------

Ricardo Akira Kokado

até sem veste
nunca se deixa nua
a cigarra só se despe

fim da linha
a pipa não toca o céu
o início se adivinha

Sono sem magia.
Em plena madrugada
a cama vazia.

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Ricardo Silvestrin (1963-)

ipê amarelo
até a calçada
floresce

vento de primavera
o homem de terno
com uma flor no cabelo

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Roberto Saito

Fina folha se desprende
e levemente toca
os pedregulhos.

De seda e sinuosa
uma linda serpente
entre as convidadas.

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Roberto Uber

O teu desejo
bate asas de flamingo
domingo

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Rodrigo de Souza Leão

enamoradas...
as nuvens cinzentas
apagam o sol...

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Rodrigo de A. Siqueira
http://www.insite.com.br/rodrigo/poet/o_zen_e_a_arte_do_haikai.html
http://www.lsi.usp.br/usp/rod/poet/haiku.html

Sopra o vento
os pássaros correm
atrás das sementes.

Rio seco
Silêncio sob a ponte
apenas o vento.

O sol poente
Despede-se lentamente
Estrelas aparecem no silêncio.

Solidão no ninho
O pássaro se assusta
no eco do trovão.

Toque colorido
na ponta do capim
pousa a borboleta!

Barco de papel
naufraga na torrente
chuva de verão.

Lua enevoada
o cão e sua solidão
caminham na estrada.

Devagar devagar,
a folha sem escolha,
vaga pelo ar.

Folhas soltas
só uma contra o vento?
Borboleta amarela.

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Rogério Viana

Véu da noiva
esconde incontida
melancolia

Fruta podre
não adoça
boca de pobre

Calo-me
como galo na
madrugada

Natureza morta
um pato num
prato, intacto

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Ronaldo Bomfim

Aroma de pão
assando na madrugada:
lembrança da infância

A cigarra canta
sem cessar, até secar:
derradeiro êxtase.

Na brisa da noite
o perfume de jasmim
traz de volta a infância.

Sopra o vento Norte
as árvores sentem frio:
as folhas se encolhem.

A polpa dourada
esconde rara fragrância:
fruto-da-paixão

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Ronaldo Cagiano

Terra em mutação
natureza em agonia
grito ambiental.

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Rosa Clement (1954-)

luz para a libélula--
chega e pousa devagar
na blusa amarela

vaso da janela
cai e deixa um caco em meu pé--
foi o beija-flor...

inicio das férias--
o silencio logo acampa
nas salas de aulas

jogo de hoje-
a zebra fica a trotar
detrás da cerca branca

folhas mortas...
ainda voam buscando
onde descansar

olhos no lago
entre vitórias-régias-
jacarés atentos

sacadas floridas
caminho e espero petalas
em minha cabeça

sapo na garagem--
qual direção tomar quando
o carro nao está?

o sol toca o dorso
do boto cor-de-rosa-
Rio Negro clareia

-------------------------------------------------

Saint-Clair Cavenaghi

no frio da água, de manhã,
pálido tremor,
outono no corpo.

gotejar sem chuva
no jardim oculto
brumas de abril.

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Sara Fazib
http://www.sara.fazib.nom.br/sfazib.htm

a chuva estendendo
tapete verde pro sol
musgo na calçada

no belo gramado
um boom imobiliário
formiga saúva

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Saulo Mendonça

À tarde, no porto
Eles se amavam
E ficavam a ver navios.

Tarde em Tambaú
Restos de nuvens
São bailados de andorinhas.

Não me comoveu
A morte daquela noite.
O galo cantou

Relógio de meu pai.
Na parede, inerte,
Fala-me de todas as horas.

Praia do Jacaré:
O sol cansado, deitou-se
E adormeceu nos braços-de-mar.

Vestido molhado
Colado nas coxas:
Rio perene

Quem tem boca
Vá à fome
Do grito que o consome.

Um músico sentado na praça
Soprava a noite:
O sono tocou-lhe sem dó.

Saudade dentro amolada
Corta qual bisturi:
Hemorragia interna.

A solidão dessa dor
Ainda fala o peito:
Silêncio de bronze.

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Sérgio de Mesquita

Lua de verão
Um pires de porcelana
na escuridão

Em doce deleite
colhem abelhas o pólem
do copo de leite.

Um pássaro arisco
entoa seu canto a toa
do ramo de hibisco.

O vento, o galho
balança e longe lança

a gota de orvalho.

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Sérgio Francisco Pichorim

O trem vai sumindo
entre túneis e montanhas.
Ouço os tucanos.

El rio Paraná.
Las águas de mi jardín
pasan aqui.

Um leque nas mãos
da bailarina de Odori.
Borboleta em voo.

Minutos de êxtase.
O nascer da lua cheia
sobre a cordilheira.

Até o sabiá
renovou o seu cantar.
Sigo meu caminho.

A igreja distante
e os seis toques de sino.
Sorvo o meu mate.

Tarde de outono.
A velha casa de madeira
já foi semente.

As vagens abertas.
O ipê lança suas sementes
ao vento que passa.

Domingo gelado.
Nos balanços do parquinho
apenas o vento.

Primeira geada.
Quase tinha me esquecido
desta alegria.

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Shinobu Saiki

Garoa brusca
une forte o casal
sob a sombrinha.

Quantos bons sonhos
comigo partilhaste,
velho cobertor!

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Sílvia Rocha

flores de maio
no meu quintal lavado
gotas de orvalho

sonhos de verão
perturbações se vão
brisa de eucaliptos

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Simão Pessoa

SAUDOSISMO
Cinema novo? Grande idéia:
uma câmera na mão
e mil moscas na platéia

Do livro: "Matou Bashô e foi ao cinema" Ed. autor, 1992, AM

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Soares Feitosa

Rastros de vento,
escuridão de brasas,
um salto suave.

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Sonia Mori

Na fria madrugada
ao redor do braseiro
cascas de pinhão.

Não sei esquiar.
Deslumbrada com a neve
deslizo de nádegas.

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Teruko Oda

Luz crepuscular
O último arco-íris
Na ponta do pinheiro!

Verde mandruvá
Se arrasta no caule esguio
De um lírio branco.

Nas bodas de prata
retornando à terra natal -
flor de laranjeira!

Insetos que cantam...
Parece que as sombras se amam
nos cantos escuros.

Como versos livres
- ao toque dos tico-ticos -
as flores que caem...

Cartões de Natal
coloridos, tão iguais!
Mas este, ah... o amor...

A serra vernal
sob o céu de minha pátria.
Lembro Monalisa...

Gaiola no muro.
Filhote de gato ensaia
primeira caçada.

Na tarde sem sol
folhas secas projetando
sombras em minh'alma.

Na velha pedreira
o vibrar de britadeiras -
zunir de cigarras.

Boneca se aquece
com o meu chapéu de lã.
Eu visto saudades.

Apito de fábrica
A poluição é o tempero
da marmita fria.

Garoa no asfalto
Congestionando a solidao
Do homem urbano.

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Teruo Tonooka

Pétalas de rosas
Entre as folhas do diário
Seca recordação

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Thiago de Mello

O silêncio é um campo
plantado de verdades
que aos poucos se fazem palavras.

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Tomoko Narita Sabiá

Em volta à fogueira,
a dança. Avançando a noite,
ferve a brincadeira.

A aurora vernal
caleidoscopicamente
se muda em coral.

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Urhacy Faustino

concorrência O pontilhismo pode ser obra cara,
mas não tão rara
quanto as joaninhas.

Os meus sentimentos
- como origami em arame -
sempre em movimentos

floral

Traiu minha confiança
quando, ao primeiro vento,
despetalou-se.

colibri

Toca em mim,
dou flores
precoces.

O casulo feito
bicho dentro dele dorme
vestido de seda.

No extremo vazio
do mais oco, sopro sons:
flauta de bambu.

Cavalos de escamas,
em meio às algas marinhas,
escondem segredos.

Lanternas quebradas
pirilampos precavidos
não vagam na noite.

Muitos ventos sopram.
Dentro e fora de mim uivam
lobos que não sou.

Se planto parreiras,
nestas videiras vermelhas
eu colho ametistas.

Cresci com gorjeios
sobre a jabuticabeira
entre os sabiás.

Os trigais maduros
marcaram de cor dourada
minha pobre infância.

Balidos na noite
durmo quente envolto a lãs
de ovelhas peladas.

Venha colibri:
dentro do meu coração
já é primavera.

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Valnei Andrade

o sol na rua se movimenta
o menino sentado olha
o velho em câmara lenta

HAIKAI PARA AS GUEIXAS

roliças as coxas
como hortaliças
aos p
êlos eriçam

porto de espinhas
antenas
zarpam andorinhas

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Waldomiro Siqueira Jr.

URRO

Fato assaz inglório:
rajada de gargalhada
durante um velório.

ONDAS

O branco singrando
as águas do lago. Mágoas
sangram até quando?

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Yara Shimada

Ruflar de asas?
Pipa presa lá no alto...
Pobre criança...

Chuva noturna.
Nuvens no chão matinal.
Bicicleteiam no céu.

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Yeda Prates Bernis

Lavadeiras de beira-rio.
Nas águas, boiando,
cores e cantos.

Na poça d'água
o gato lambe
a gota de lua.

Pássaros em silêncio.
Noturna chave
tranca o dia.

Noite no jasmineiro.
Sobre o muro,
estrelas perfumadas.

Inúltil. A gaiola
nunca aprisiona
as penas do canto.

No porta-retrato
um tempo respira,
morto.

Grão de arroz, Editora Itatiaia, 1986 - Belo Horizonte, Brasil

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Zemaria Pinto (1957-)

(as mãos da amada)

conduzem a fala
na luz rubra da manhã
- papoulas ao vento

notícias do sol -
os pássaros da manhã
cantam na varanda

o pouso silente
da borboleta de seda
celebra a manhã

caminho de terra,
o mato à margem exala
perfumes silvestres

sobre a mesa posta
o olhar do peixe descansa
fitando o infinito

barco vagabundo,
desliza à pele do rio
a árvore morta

dissolve-se a tarde
no alarido das araras
e em flocos de chumbo

urubus desenham
no teto cinza da tarde
lentas espirais

o sapo, num salto,
cresce ao lume do crepúsculo
buscando a manhã

as nuvens vermelhas,
o sol sumindo no rio
- silêncio noturno

alta madrugada,
vaga-lumes no jardim
brincam de ciranda

decifrando códigos
o barco atravessa a tarde
na pele do tempo

caminhos cumpridos
repousam sobre meu peito
teus pés minerais

para as pernas:

asas da manhã
flutuando à luz difusa
na pele do vento

para os seios:

raízes plantadas
no vasto campo do corpo-
casulos de sonhos

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Zezé Pina

chuva na praia
o céu beija o mar
– gaivota espera

neva lá fora
gato à lareira
silêncio na vila

velho castelo
menina à janela
sonho de infância

lágrimas na face
lenço nas mãos -
fim de romance

vida repensada
noite de insônia -
manha cansada.

noite calada
uma loba uiva -
homem no cio.

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Zuleika Dos Reis

Relâmpago azul.
Crescem os olhos da criança
no colo da mãe.

Dia da criança.
Corre o trenzinho eletrônico
na TV da favela.

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FORMA
www.haicai.com.br/forma.htm

Forma poética do haicai, três versos: o primeiro, de 5 sílabas; o segundo, 7; o terceiro, 5 (origem oriental); contudo, tendo em vista a silabação diferente nas diversas línguas, pode-se ter um verso mais curto, outro mais longo, outro mais curto. Nas traduções de Bashô, podemos encontrar haicais com dois versos apenas. Os de origem, via européia ou ocidentais, versos de 2 , 3 ou 4 versos. Contudo, prevalece, ou é a forma mais aceita, a estrofe composta por três versos nos quais o poder de síntese, a imagem, o vislumbre são requisitos primordiais.

Pontuação inexiste na forma japonesa; na oriental-brasileira e ocidental-brasileira, é opcional. O Grêmio Ipê de Haicai (oriental-brasileiro), faz uso da pontuação. Guilherme de Almeida e sua escola também pontuam essa micro-poesia.

A rima não acontece na forma oriental; na ocidental, é aceitável como acontece nos haicais guilherminianos (Guilherme de Almeida).

Titulação - Não há titulação no haicai oriental; no ocidental, latino-americano ou brasileiro pode haver ou não.

Pode-se dizer que Ocidente e América Latina oonstruiram a sua síntese poética, aos moldes das origens, mas com um sabor de novidade, "um sabor de amoras/ comida com sol/ a vida chamava-se agora" como no dizer de G.A. em INFÂNCIA.

Esquema do haicai bashoniano (oriental-brasileiro):

5 sílabas _ _ _ _ _
7 sílabas _ _ _ _ _ _ _
5 sílabas _ _ _ _ _

Esquema do haicai moderno (ocidental brasileiro):

silabação livre

14 sílabas _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _
5 sílabas _ _ _ _ _
3 sílabas _ _ _

ou outras silabações, conservando-se porém os três versos, sendo dois mais curtos e um mais longo, preferencialmente, os 1ºs e 3ºs mais curtos e os 2ºs (centrais) mais longos.

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BIBLIOGRAFIA
http://www.kakinet.com/caqui/brasil8.htm

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Roteiro Lirico. 1939.

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Jorge Fonseca Jr.
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Pétalas ão Vento. 1949.

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Tankas e Haicais. 1953.

Pedro Xisto.
haikais & concretos. 1960.

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Rosa Irrevelada. 1960.

Primo Vieira.
Estrelas de Rastros. 1964.

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Hai-Kais. São Paulo: Senzala, 1968.

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Musa Breve (haikais e trovas).1976.

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Pirilampos. 1978.

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Folha e Flor do Campo. 1981.

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Waldomiro Siqueira Jr.
Quatrocentos e Vinte Haicais. 1981.

Dasso.
Primeiro Sol & As Trevas de Boro. 1982.

Martinho Bruning.
Novos Poemas & Outros Hai-Kais. 1982.

Pedro Xisto.
Particulas. 1984.

Alice Ruiz.
Pelos Pêlos. 1984.

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Hai Tropicais. 1985.

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Hai-kais. 1986.

Waldomiro Siqueira Jr.
Haicais Reunidos. vol. I, 1986.

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Navio na Garrafa. 1986.

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Faíscas. 1986.

Débora Novaes de Castro.
Soprar das Areias. 1987.

Millôr Fernandes.
Hai-Kais. Rio de Janeiro: Nórdica, 1986.

Sílvia Rocha.
Estaçao Haikai. 1988.

Saulo Mendonça.
Libélula - 100 haikais, Editado pelo autor, João Pessoa - PB, 1990

Alice Ruiz.
Desorientais, São Paulo: Editora Iluminuras, 1996.