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Haicais de Paulo Leminski (1944-1989)

http://sibila.com.br/critica/leminski-e-o-haicai/4500


soprando esse bambu
só tiro
o que lhe deu o vento

confira
tudo que respira
conspira

duas folhas na sandália
o outono
também quer andar

a palmeira estremece
palmas pra ela
que ela merece

passa e volta
a cada gole
uma revolta

bateu na patente
batata
tem gente

verde a árvore caída
vira amarelo
a última vez na vida

nada me demove
ainda vou ser o pai
dos irmaos karamazov

na rua
sem resistir
me chamam
torno a existir

debruçado num buraco
vendo o vazio
ir e vir

casa com cachorro brabo
meu anjo da guarda
abana o rabo

cabelos que me caem
em cada um
mil anos de haikai

as folhas tantas
o outono
nem sabe a quantas

a chuva vem de cima
correm
como se viesse atrás

amei em cheio
meio amei-o
meio nao amei-o

pelos caminhos que ando
um dia vai ser
só não sei quando

abrindo um antigo caderno
foi que eu descobri
antigamente eu era eterno

o mar o azul o sábado
liguei pro céu
mas dava sempre ocupado

primeiro frio do ano
fui feliz
se não me engano

ano novo
anos buscando
um ânimo novo

cortinas de seda
o vento entra
sem pedir licença

lua à vista
brilhavas assim
sobre auschwitz?

tudo dito,
nada feito,
fito e deito

tarde de vento
até as árvores
querem vir pra dentro

tudo claro
ainda não era o dia
era apenas o raio

essa vida é uma viagem
pena eu estar
só de passagem

longo o caminho
até uma flor
só de espinho

nadando num mar de gente
deixei lá atrás
meu passo a frente

noite alta lua baixa
pergunte ao sapo
o que ele coaxa

nu como um grego
ouço um músico negro
e me desagrego

a noite - enorme
tudo dorme
menos teu nome

madrugada bar aberto
deve haver algum engano
por perto

acabou a farra
formigas mascam
restos da cigarra

minha alma breve breve
o elemento mais leve
da tabela de mendeleiev

essa idéia
ninguém me tira
matéria é mentira

jardim da minha amiga
todo mundo feliz
até a formiga

relógio parado
o ouvido ouve
o tic tac passado

milagre de inverno
agora é ouro
a água das laranjas

a estrela cadente
me caiu ainda quente
na palma da mão

saber é pouco
como é que a água do mar
entra dentro do coco?

amar é um elo
entre o azul
e o amarelo

-- que tudo se foda,
disse ela,
e se fodeu toda

KAWÁSU

"Kawásu" é "sapo", em japonês.
Imagino ter relação original com
"kawa", "rio". O batráquio é o animal
totêmico do haikai, desde aquele
memorável momento em que Mestre
Bashô flagrou que, quando um sapo
"tobikômu" ("salta-entra") no velho
tanque, o som da água.

MALLARMÉ BASHÔ

um salto de sapo
jamais abolirá
o velho poço

TATAMI-O OU DEITE-O

de colchão em colchão
chego à conclusão
meu lar é no chão

hoje a noite
lua alta
faltei
e ninguém sentiu
a minha falta

meio dia três cores
eu disse vento
e caíram todas as flores

Quando penso
Em partir em viagem,
O fim da primavera.

Morreu o periquito,
A gaiola vazia
Esconde um grito

Hoje à noite
Até as estrelas
Cheiram a flor de laranjeira

Pra que cara feia?
Na vida,
Ninguém paga meia.

lá embaixo
vai ter
o que eu acho

 

http://planeta.terra.com.br/arte/PopBox/kamiquase/ensaio4.htm
http://www.cpunet.com.br/paralerepensar/p_leminski.htm
http://www.leminski.hpg.ig.com.br/ensaio3.htm
http://www.odisseu.com.br/fimdesemana/edicao/leminski/leminski.htm